Ideli Salvatti disse ao ‘Estado’ que governo vai atender a reivindicações dos senadores e ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor para facilitar tramitação do projeto no Senado
Eduardo Bresciani, de O Estado de S. Paulo
A presidente Dilma Rousseff vai patrocinar no Senado uma mudança no projeto que trata do acesso a informações públicas para manter a possibilidade de sigilo eterno para documentos oficiais. Segundo a nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, o governo vai se posicionar assim para atender a uma reivindicação dos ex-presidentes Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP), integrantes da base governista.
A discussão sobre documentos sigilosos tem como base um projeto enviado ao Congresso pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009. No ano passado, a Câmara aprovou o texto com uma mudança substancial: limitava a uma única vez a possibilidade de renovação do prazo de sigilo. Com isso, documentos classificados como ultrassecretos seriam divulgados em no máximo 50 anos. É essa limitação que se pretende derrubar agora.
"O que gera reações é uma emenda que foi incluída pela Câmara. Vamos recompor o projeto original porque nele não há nenhum ruído, nenhuma reação negativa", disse Ideli ao Estado.
Acatar a mudança defendida pelos ex-presidentes é a forma encontrada para resolver o tema, debatido com frequência no Senado desde o início do ano. O governo cogitou fazer um evento para marcar o fim do sigilo eterno - Dilma sancionaria a lei em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Temerário
O desfecho não foi assim por resistência de Collor. Presidente da Comissão de Relações Exteriores, ele decidiu relatar a proposta e não deu encaminhamento ao tema. No dia 3 de maio, o ex-presidente foi ao plenário e mandou seu recado ao Planalto ao classificar de "temerário" aprovar o texto como estava. "Seria a inversão do processo de construção democrática."
Desde então, a votação vem sendo adiada repetidas vezes. Na semana passada, Dilma almoçou com a bancada do PTB no Senado. Na ocasião, Collor teria manifestado sua preocupação sobre o tema e exposto argumentos contrários ao fim do sigilo.
Repercussão
Disponibilizamos um artigo publicado no site Observatório da Imprensa.
fonte:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/wikileaks-para-a-ditadura
DOCUMENTOS SECRETOS
WikiLeaks para a ditadura
Por Hugo Studart *
Insólito constatar que a ex-torturada Dilma Rousseff mantenha uma política restritiva de acesso aos documentos secretos da ditadura militar. É verdade que, em abril, o governo publicou portaria facilitando o acesso aos papéis sob a guarda do Arquivo Nacional.
Depois, Dilma anunciou a intenção de terminar com o sigilo eterno de documentos do Estado. Dias atrás [quarta-feira, 26/5], foi a Unesco quem anunciou, em Paris, que os documentos da ditadura viraram “memória do mundo”, algo similar a “patrimônio da humanidade”.
Na casca, todos esses fatos aparentam dar maior relevância e transparência aos acervos. Na essência, são irrelevantes para a reconstituição da história.
Sob lupa
Há anos que se arrasta no Congresso o projeto da lei de acesso aos documentos públicos. Significa, na prática, que hoje, tal qual nos tempos da censura prévia dos militares, o Arquivo Nacional tem poderes totais de só permitir o acesso aos documentos depois de burocratas examinarem o teor das informações. Querem antes saber se há informações incômodas aos ex-guerrilheiros ou às suas famílias. Efetivam, então, uma conjuração prévia dos conteúdos.
No momento em que se discute a criação da Comissão da Verdade, para rememorar ou punir atos de exceção da ditadura, só política de ampla, geral e irrestrita transparência dos documentos será capaz de resgatar nossa memória.
O melhor caminho a seguir é mandar tudo para a internet, tal qual o WikiLeaks. A relevância desse site foi disponibilizar um sistema colaborativo, em que especialistas podem analisar os conteúdos e registrar suas análises aos leigos.
Instituições como a Universidade de Brasília e a Unicamp já têm plataforma similar à do WikiLeaks. Implementar de fato o direito à memória e à verdade está mais fácil do que se imagina.
O governo Dilma não pratica a dura censura prévia dos militares. Mas não busca a transparência que o momento histórico exige.
Mas, afinal, o que há de relevante nos documentos da ditadura? Os militares não eram ingênuos. Não registraram em papéis provas de tortura ou o local onde estão os desaparecidos. Mas deixaram rastros dispersos em burocráticos relatos de missões, análises políticas, dossiês e inquéritos de presos políticos.
Na mão de leigos ou burocratas, esses papéis têm pouca serventia. Com estudiosos, ajudariam a tecer uma intrigante trama histórica.
Sem conjurações
Nesses documentos há, por exemplo, o nome do sargento que matou sob tortura o operário Manoel Fiel Filho. Há também mexericos – relatos de adultérios e de “pederastia” –, além de curiosidades risíveis pela irrelevância.
Uma guerrilheira do Araguaia é descrita como “feia, dentuça e aparentando mais idade do que tem”. E daí? Esse documento permanece trancado no Arquivo Nacional, para não constrangê-la.
Verdade seja dita, os documentos mais relevantes sobre o período militar não estão nos arquivos públicos, mas nos acervos pessoais de militares. Desde 1996, muitos deles e de seus familiares estão entregando papéis e imagens a jornalistas ou a historiadores.Há pelo menos oito acervos pessoais importantes – de três militares e de cinco pesquisadores. Podem somar mais de 30 mil páginas.
Eu mesmo venho formando um acervo há 20 anos, buscando documentos em arquivos públicos ou com ex-militares. Há dois, quis doá-lo ao Arquivo Nacional, mas desisti quando descobri que nem mesmo o próprio doador teria acesso.
Agora, busco uma instituição disposta a catalogá-los e publicá-los na internet, como o WikiLeaks. Os outros donos de três acervos querem o mesmo. Tudo na internet, sem exorcismos ou conjurações de documentos feitas por burocratas oficiais.
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[* Jornalista e historiador, autor de A Lei da Selva, sobre a guerrilha do Araguaia, e observador independente do grupo de trabalho interinstitucional que busca os corpos dos desaparecidos políticos]