Richard Black
Da BBC News
Conferência de Estocolmo: primeiro encontro de cúpula da ONU para tratar do meio-ambiente
1972. Cinco anos depois do chamado Summer of Love em San Francisco, nos Estados Unidos, um marco na história do movimento hippie e da contracultura. Quatro anos depois das revoltas estudantis em Paris, França. A Guerra Fria vive seu auge.
O influente instituto de pesquisas Club of Rome acaba de anunciar um futuro onde as demandas da população humana em crescimento superam a capacidade da Terra de supri-las.
A baleia azul, o maior animal que já existiu, foi caçada de tal forma que está à beira da extinção.
Testes com a bomba atômica continuam a banhar o planeta com Estrôncio-90, perigoso material radiativo resultante de explosões nucleares.
E do Japão à Europa e América do Norte, venenos produzidos pelo homem afetam plantas, animais e pessoas.
Economicamente, o mundo nunca esteve tão bem. Mas os governos começam a se dar conta de que a natureza está pagando o preço.
Movimento Popular
No dia 5 de junho de 1972, na capital da Suécia, Estocolmo, os países começam a articular uma reação: a Conferência da ONU sobre o Meio-Ambiente Humano, o primeiro encontro de cúpula da organização para tratar do meio-ambiente, evento que realmente colocou a questão na pauta política global.
Fora das negociações, dois grupos completamente diferentes também haviam se reunido.
Um era um pequeno grupo de cientistas que estava cada vez mais preocupado com crescimento populacional, poluição e uso crescente de recursos naturais.
O outro, um conjunto bem maior de pessoas que hoje seria chamado de sociedade civil, que usava recursos comuns hoje em dia - como marchas, canções, manifestações e diálogo - para colocar na pauta política questões variadas como controle da poluição, direitos civis e vegetarianismo.
'Primavera Silenciosa'
"O que me motivou foi a mensagem no livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson", lembra Jan-Gustav Strandenaes, um dos cerca de dez mil integrantes do Fórum do Povo.
"(O livro) reuniu uma série de assuntos sobre os quais havíamos lido mas não havíamos refletido. O desastre de Minamata no Japão, onde todas aquelas pessoas morreram envenenadas por mercúrio na água e no peixe. E houve um semelhante na Suécia, onde havia líquidos que afetavam os hormônios enterrados no solo e contaminando a água fresca".
"Eu estava observando esses incidentes isoladamente até ler o livro de Rachel Carson".
Primavera Silenciosa mostrou como a vida selvagem estava sendo dizimada pelas poderosas substâncias químicas.
Mais especificamente, o livro mostrou os danos que o uso indiscriminado de recém criados herbicidas e pesticidas estava provocando sobre a vida selvagem na América.
No entanto, a narrativa mais ampla do livro, englobando Minamata e outros incidentes, era a de que a tecnologia humana estava saindo do controle.
O assunto ganhou destaque com o aparecimento, em Estocolmo, de pessoas que haviam sobrevivido ao desastre de Minamata - trazendo à tona o envenenamento, os sintomas físicos e mentais e o abafamento do caso pela corporação.
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Também estavam presentes veteranos da Guerra do Vietnã, onde o militares usaram substâncias químicas desfolhantes como o Agente Laranja para tentar derrotar um exército guerrilheiro, destruindo, no percurso, florestas e campos, com alto custo para a saúde da população.
O envolvimento desse movimento popular que nascia em uma conferência da ONU era sem precedentes.
Agenda Política
Embora o governo sueco e os organizadores da conferência oficialmente dessem as boas vindas ao Fórum do Povo, está claro que nem todos os delegados do governo entendiam o que estava acontecendo.
Mas nas as negociações oficiais, muitos delegados ofereceram mensagens parecidas.
Durante a conferência, a primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi, disse: "A minha percepção é de que pessoas que não se entendem com a natureza são cínicas em relação à humanidade e não estão confortáveis consigo mesmas".
"O homem moderno precisa restabelecer um vínculo com a natureza e com a vida".
Mas países em desenvolvimento - que acabavam de ganhar um aliado com a entrada da China na ONU (em detrimento de Taiwan) - levantaram um novo conjunto de questões que quase puseram fim à conferência antes de ela começar.
"Países em desenvolvimento consideravam boicotar a conferência", lembra Maurice Strong, o diplomata ambientalista canadense que presidiu a conferência de Estocolmo para a ONU.
"Eles achavam que essa nova preocupação com o 'ambiente' era para os ricos e seria uma distração em relação aos problemas principais, que eram o alívio da pobreza e a continuação do desenvolvimento".
"Países em desenvolvimento consideravam boicotar a Conferência de Estocolmo"
Maurice Strong, diplomata canadense
Nacionalismos e divisionismos também emergiram em diversas formas.
A União Soviética e seus aliados, obviamente, ficaram afastados, já que a Alemanha Oriental comunista não tinha um assento à mesa da ONU. Como resultado, apenas 113 nações estavam presentes.
Outra superpotência, no entanto, estava muito em evidência, particularmente quando o primeiro-ministro da Suécia - Olof Palme - destacou, em termos muito pouco diplomáticos, as ações dos Estados Unidos no Vietnã, classificando-as de "ecocídio".
"O bombardeio indiscriminado, o uso em grande escala de escavadeiras, o uso de herbicidas, é um ultraje", ele disse.
Em Estocolmo, os Estados Unidos se recusaram a discutir a questão. Mas fazendo alianças com alguns dos grupos de campanha, os americanos encontraram uma forma de driblar a publicidade negativa que estavam recebendo na imprensa: o país abraçou a causa das baleias.
Os Estados Unidos já haviam, nesse ponto, interrompido sua caça comercial às baleias, portanto, tinham alguns aliados, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a Holanda. Os dois únicos países que continuavam com a atividade eram a União Soviética e o Japão - respectivamente, seus principais inimigos políticos e econômicos.
Apesar do fato de que a caça às baleias não havia sido destacada como questão principal nos documentos que os governos haviam preparado para a conferência, foi passada uma resolução pedindo uma moratória na sua comercialização.
Este foi, possivelmente, o resultado da conferência que mais recebeu destaque na imprensa mundial.
A questão pode ter sido justificável ecologicamente, mas há poucas dúvidas de que a motivação principal foi política, pelo menos do ponto de vista do governo.
Não foi, no entanto, o resultado de maior alcance.
Sociedade Sustentável
Uma ação concreta foi a decisão de criar um Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente.
Porém, mais significativa, a longo prazo, foi a nova filosofia evidente na declaração final. Ela dizia que nações tinham de trabalhar juntas em questões ambientais e que um meio ambiente saudável era essencial para a prosperidade, a longo prazo, dos países em desenvolvimento.
Pela primeira vez, governos reconheciam que a tecnologia poderia trazer danos sérios ao meio ambiente.
Eles concordavam que cada país tinha um dever de não poluir os outros e que espécies ameaçadas precisavam de proteção internacional.
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Nem todo mundo estava satisfeito. O importante biólogo americano Barry Commoner, por exemplo, argumentava que a declaração da conferência não ia longe o suficiente. Em vez de concordar em monitorar a poluição, os governos deveriam ter discutido como desenvolver indústrias que não poluíssem - dizia Commoner.
Mas Jan-Gustav Strandenaes lembra que, no plano político, o impacto do acordo de Estocolmo, fruto de longas sessões de negociação noite adentro (hoje comuns), foi imediato.
"Nenhum país no mundo tinha um Ministério do Meio Ambiente antes de Estocolmo e eu sei que a delegação norueguesa correu para Oslo e estabeleceu um ministério. Eles bateram os suecos por algumas semanas".
"Então, Estocolmo deu início a algo, colocou o meio ambiente na agenda política", disse Strandenaes.
Internacionalmente, essa agenda resultaria, em 1987, na Comissão de Brundtland e sua famosa definição de sociedade sustentável como aquela que "atende às necessidades do presente sem comprometer a habilidade de gerações futuras de atender às suas próprias necessidades".
Ela também levaria à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano no Rio de Janeiro, em 1992, ou Rio 92. Desta última nasceram as convenções sobre mudança climática, biodiversidade e desertificação, além da Agenda 21 para desenvolvimento sustentável.
Fazendo História
O próximo marco também acontecerá no Rio. A Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, que deve trazer cerca de 130 líderes mundiais assim como ministros, diplomatas, empresários e, calcula-se, cerca de 70 mil ativistas para o Brasil a partir desta quarta-feira.
E muitos argumentariam que a necessidade de uma ação decisiva nunca foi tão grande. Governos têm feito tanto desde Estocolmo para aliviar a pobreza e reduzir o declínio do meio ambiente mas, ainda assim, um bilhão de pessoas passa fome e os danos à natureza continuam.
Hoje aos 83 anos, ainda envolvido com a causa, Maurice Strong não tem certeza se a Rio+20 vai de fato trazer mudanças profundas.
"Sou analiticamente pessimista, acredito que corremos perigo de não fazer o que devemos para a sobrevivência da vida humana e sua sustentabilidade", ele diz.
"Mas estou operacionalmente otimista, porque enquanto houver esperança - e ainda há - devemos continuar a trabalhar para (pelo meio ambiente)."