A história que vou lhes contar me foi narrada por uma colega professora que trabalha numa escola pública, na periferia da cidade.
Conversávamos sobre as surpresas que a Educação nos prega através do convívio com os alunos, essas joias fantásticas que se escondem na sala de aula, pedras ainda brutas, esperando quem as possa lapidar e fazer brilhar. Então ela me contou o que aconteceu numa reunião de pais.
A diretora ressaltava a importância da presença dos pais na vida dos filhos. Educadora experiente e sensível, ela dizia entender que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhasse fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar mais às crianças. O desenvolvimento delas, em todos os sentidos, dependia muito da presença afetiva dos pais que, se não podia ser em quantidade, devia ser em qualidade.
E perguntou: que tipo de contato efetivo e afetivo vocês tem com seus filhos ao longo da semana? Quanto tempo dedicam, de verdade, a estar com eles, conversar com eles, ouvi-los, conhecê-los?
Um homem, então, levantou a mão e pediu licença para falar. A pele marcada por rugas precoces, as mãos grossas e cheias de calos já falavam da rudeza do seu trabalho, da dureza da sua vida.
Com um jeito simples e humilde, o homem disse que era pedreiro e realmente não tinha muito tempo nem de falar com o filho, nem de vê-lo durante a semana. Quando saía para trabalhar, era muito cedo e o menino ainda estava dormindo. Quando voltava do serviço, já era muito tarde e o garoto não estava mais acordado.
Explicou, então, que havia combinado com o filho um modo dele saber que todas as noites, quando chegava do trabalho, ele ia à sua cama, o beijava e abençoava enquanto dormia. Para que soubesse da sua presença, dava um nó na ponta do lençol que o cobria. Isso acontecia religiosamente, todas as noites. Quando o menino acordava e via o nó, sabia que o pai tinha estado ali e o havia beijado e abençoado. De segunda a sexta feira aquele nó era o meio de comunicação entre eles. Nos finais de semana matavam as saudades através de coisas também simples, como um café da manhã compartilhado à mesa, um passeio no parque, um jogo de futebol.
O homem terminou de falar e sentou-se, em meio a um silêncio emocionado.
A diretora emocionou-se mais ainda quando minha colega lhe disse que aquele garoto era seu aluno e, mais, era um dos melhores alunos da escola, além de um dos mais alegres.
Na sua casa, provavelmente bem simples, onde faltavam certamente tantas coisas, o essencial estava sempre presente, em especial na figura daquele pai, aparentemente ausente.
No rolo compressor da sociedade de consumo, com sucessivas datas comemorativas nas quais somos induzidos a dar e receber presentes, fico pensando sobre as muitas maneiras das pessoas se fazerem presentes, de se comunicarem umas com as outras. Aquele pai encontrou a sua, simples como ele, mas eficiente. E o mais importante, o filho recebia, através daquele nó, todo o afeto que o pai podia lhe oferecer naquele momento e circunstância.
Por vezes, nos importamos tanto com a forma de dizer as coisas e esquecemos o principal, que é a comunicação através dos sentimentos; simples gestos como um beijo e um nó na ponta do lençol, valiam, para aquele filho, muito mais do que presentes ou desculpas vazias.
É válido que nos preocupemos em estar com as pessoas, em especial em momentos festivos, como Natal, Dia das Mães, dos Pais, das crianças, mas o mais importante é que elas saibam, que elas sintam que fazemos isso por amor, mesmo quando não podemos estar tão presentes ou dar os presentes que gostaríamos.
Segundo os teóricos, para que haja comunicação é preciso uma mensagem, um transmissor e um receptor. Mas para haver um “contato” amoroso tanto faz ser o telefone, um computador, ou coisas bem simples como uma palavra, um bilhete, um recado, ou um nó na ponta de um lençol... o que importa é que as pessoas "ouçam" a linguagem do coração, pois, em matéria de afeto, os sentimentos são mais poderosos e eficientes que qualquer teoria ou tecnologia.
Na linguagem do afeto, do coração, transmissor e receptor estão sempre em contato.
E para sempre...
Tudo isso me faz lembrar uma cena da minha infância que, provavelmente, está na lembrança da infância de muita gente. Eu era menino, moleque de rua, numa época em que ser moleque e brincar na rua eram as coisas mais saudáveis do mundo. Invariavelmente chegava em casa com um joelho esfolado, um cotovelo ralado, um galo na cabeça. Choramingando, ia até minha mãe e me aninhava no seu colo. Ela passava a mão em meus cabelos, me apertava em seu abraço e perguntava: dói aqui? E em seguida beijava o lugar dolorido.
Nunca houve remédio mais eficaz para curar minhas dores de menino.
Um beijo, um abraço, revestidos do mais puro afeto, curam dor de cabeça, arranhão no joelho, medo de escuro, medo do futuro...
As pessoas podem não entender o significado de muitas palavras, mas sabem registrar um gesto de amor. Mesmo que esse gesto seja apenas um beijo, um abraço ou um nó... um nó cheio de afeto e carinho.
Um nó de amor...
Deus, ao nos enviar seu filho, que se identifica e se faz presente em todo e qualquer ser humano, a começar dos mais simples, dos mais pobres, dos mais excluídos, deu um nó na ponta do lençol da nossa História.
Quando “acordamos” e vemos, no olhar do outro, o nó amoroso de Deus, nos sabemos “laçados”, amados, cuidados, abençoados.
E para sempre...
Autor: Eduardo Machado