Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro
A Família se apresenta à sociedade civil e religiosa em ricos e variados aspectos. Sua extraordinária importância exige, do Governo civil e da Igreja, especial atenção. Difícil encontrar um problema que não tenha suas raízes – ora mais, ora menos – penetrando nesse solo onde se assenta o alicerce de toda estrutura individual e social.
O Senhor nos criou não só como indivíduos isolados mas também como seres humanos, voltados para o relacionamento homem-mulher, à sua semelhança: “Deus criou o homem à sua imagem (...) ele os criou homem e mulher” (Gn 1,27).
Cristo restaura a imagem de Deus, ferida pelo pecado: “Somos transformados de glória em glória, nessa mesma imagem (Cristo)” (2Cor 3,18).
Ora Deus, em sua revelação, não é como alguém que apenas dá informações, permanecendo distante. Ele se autotransmite e de forma plena. A Santíssima Trindade é a entrega do Eu divino ao Tu divino: o Pai comunica ao Filho toda a sua essência divina e ambos o fazem ao Espírito. Por isso, rezamos na liturgia: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado”.
No lar, de modo mais completo, se concretiza a semelhança desse dom divino. A pessoa comunicadora se preocupa com o destinatário; isto redunda em algo muito íntimo para quem dá e quem recebe. Homem e mulher, na família cristã, entregam-se mutuamente e se sentem acolhidos um pelo outro.
Essas considerações sobre os esposos se aplicam aos filhos e entre os pais e a prole.
Tal semelhança da Família com a vida de Deus Trino é fundamento de uma Teologia da Família. Mostra o grave dever de preservarmos essa doação evangélica, tanto internamente, cada um assumindo o outro, dando o melhor do que tem em si, de mais valioso e divino, como conservando essa comunhão, protegendo-a dos ataques de fora e perigos que lhes advêm dos meios de comunicação social.
Esse recíproco intercâmbio de um amor estável é sujeito constantemente a dificuldades de toda espécie. Ocorrem de maneira especial em nossos dias, pela rapidez e multiplicidade na transmissão de antivalores. Tal situação exige dos cristãos uma atividade eficaz e permanente em variados setores. Vai desde o fortalecimento dos laços matrimoniais da preparação para a recepção do sacramento, da educação dos filhos, até uma ação organizada junto aos meios técnicos que propagam uma anticultura nociva ao bem-estar de um lar.
Ao lado da riqueza existente em muitos ambientes domésticos, surgem carências que nos preocupam, fragilidades que põem em risco o Matrimônio e seu papel fundamental na vida coletiva e pessoal.
Umas dessas deficiências é uma dependência dos meios de comunicação social que a envolvem com uma atmosfera às vezes favorável, mas comumente malsã. Não se pode tratar de solução de problemas dessa instituição, de direito natural e divino, sem abordar a atuação da “mídia”, que influi na opinião pública, transmitindo conceitos e formando mentalidades. Entre os principais direitos da Família está uma reta utilização de todos esses extraordinários recursos que Deus concedeu ao homem: a televisão, o rádio, a imprensa escrita, o teatro, etc. A estrutura familiar é frágil diante dessa pressão.
Primeiro, as mensagens positivas e negativas penetram com grande facilidade no recesso do lar. A diversidade de camadas etárias, inclusive entre os irmãos, dificulta a seleção do que é útil ou prejudicial à saúde espiritual, moral e à educação. O programa televisivo ou radiofônico, os filmes, o jornal atingem pessoas com variados graus de formação e de diferentes idades. Pensemos numa criança, num adolescente em plena crise, adultos ... todos na mesma residência, tendo diante de si uma torrente de conceitos e imagens e notícias totalmente inadequadas a um clima salutar, sob o ponto de vista religioso, moral e mesmo social.
Em segundo lugar, o ambiente que se respira hoje, nas ruas e nas escolas, é fruto de uma opinião pública formada à margem da ética cristã. Por isso, no Brasil - que é quase um continente – o modo de trajar e comportamentos vários nascem e se difundem de norte a sul, em distâncias de milhares de quilômetros, ao sabor de novelas televisivas. Hoje, a conservação dos valores culturais das diversas regiões do País questiona certos procedimentos massificadores.
Uma terceira observação nos mostra a fragilidade da estrutura familiar em nossos dias, independentemente da “mídia”. As causas são múltiplas.
O egoísmo coloca o bem-estar pessoal acima dos deveres conjugais e da felicidade dos filhos. Certamente, muitas separações seriam sustadas, divergências superadas, reconciliações obtidas se o traumatismo da prole – desfeito o lar – fosse tomado na devida consideração.
A exacerbação do sexo e o desprezo das leis morais conduzem a comportamentos que levam à destruição da convivência digna entre os esposos.
O afastamento da prática religiosa estanca uma preciosa fonte do bem-estar doméstico.
Essas reflexões nos conduzem ao âmago de um dos mais graves problemas da sociedade civil e religiosa. A desagregação da família, que merece firme condenação, pede também a compreensão caridosa com suas vítimas, sem entretanto, justificar-se o erro.
O grande clamor é em favor da revitalização dos princípios da família cristã. Remar contra a corrente. Pôr em primeiro lugar a lei de Deus, o direito da prole e, só em segundo, a felicidade pessoal.
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