Voz de Bento XVI fez-se ouvir apesar das polémicas e foram as multidões que ajudaram a mudar as prioridades mediáticas
«People power», o poder das pessoas: foi este o segredo do sucesso da difícil visita de Estado que Bento XVI realizou ao Reino Unido de 16 a 19 de Setembro, a primeira de um Papa.
Apesar de todas as polémicas que envolveram a presença papal, Bento XVI conseguiu fazer ouvir a sua voz, como reconheceu o próprio primeiro-ministro britânico David Cameron, e centrar as atenções na mensagem que queria deixar na sua 17ª viagem ao estrangeiro.
Foram as pessoas e o entusiasmo com que reagiram à presença do seu líder espiritual que ajudaram a mudar a imagem do Papa e o tratamento mediático que lhe foi dado, particularmente a nível televisivo.
O clima de festa, o peso das palavras de Bento XVI e a capacidade de abordar directamente temas previsivelmente delicados, como os abusos sexuais de menores ou a relação entre religião e secularismo foram apostas que deram os seus frutos.
Alguma imprensa escrita insistiu em temas fracturantes, como o aborto ou a contracepção, mas de forma geral os balanços apresentados avaliam com nota muito positiva a passagem do Papa por Edimbrugo, Glasgow, Londres e Birmingham.
O antigo Arcebispo da Cantuária (anglicano), George Carey, escreveu no «News of the World» que Bento XVI “chegou, viu e venceu”.
Outros jornais falam num Papa de palavras serenas que “encantou muitos” ou da “grande coragem moral” com que enfrentou temas mais quentes, podendo por isso deixar o país “com um sorriso nos lábios”.
Alguma discussão foi alimentada em torno da expressão utilizada pelo Papa para manifestar o seu desgosto («sorrow») pelos abusos sobre menores cometidos pelo clero, debatendo-se se havia ou não um pedido de desculpas às vítimas, embora se tenha sublinhado o facto destas situações terem sido apresentadas como “crimes” e não apenas como “pecados”.
Manifestações de protesto como a do dia 18 de Setembro, que juntou mais de 10 mil pessoas, foram acolhidas “sem surpresa” como garantiu o Vaticano, até porque o Papa sabia, de antemão, o que iria encontrar.
Isso ficou claro nas várias referências à longa tradição cristã e democrática do Reino Unido, à coragem com que muitos resistiram ao regime nazi, aos desafios levantados por uma sociedade cada vez mais secularizada e multicultural que tende a “marginalizar”, quando não mesmo “ridicularizar”, a religião.
Bento XVI falou à sociedade, no seu conjunto, apresentando-se como defensor de valores fundamentais e apelando a princípios éticos na vida política e económica, com grande destaque para o discurso no Westminster Hall, um dos mais representativos do pensamento deste Papa.
Além das palavras, são os gestos que irão ficar na memória desta viagem: a oração na Abadia anglicana de Westminster, o encontro privado com vítimas de abusos, a visita a uma residência de idosos e a beatificação do Cardeal Newman sintetizam, quase na perfeição, as preocupações que Bento XVI trouxe consigo.
No Reino Unido, o actual Papa mostrou ter aprendido nos últimos anos a dizer as coisas certas na altura certa, mas não há dúvida de que a força de milhares de católicos espalhados pelos locais por onde passava foi essencial para que estas palavras não fossem abafadas por vozes contestatárias e «fait-divers».
Octávio Carmo, Agência ECCLESIA, em Londres
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