quarta-feira, 28 de outubro de 2009

parte




Confissões de uma freira moderna

MINHA VIAGEM A UMA NOVA TEOLOGIA

Quando ingressei à vida religiosa (1984), acabava de terminar um doutorado em farmacologia e tinha a oportunidade de uma bolsa de pesquisa pós-doutorado na Escola de Medicina Johns Hopkins. Mas descobrira The Seven Storey Mountain, de Thomas Merton e não podia abandonar meu desejo de renunciar ao mundo e viver para Cristo. Meus conhecimentos de teologia, a Igreja e a vida religiosa eram bem rudimentários. Nos anos 70 eu era uma ativa cientista que publicava manifestos sobre a libertação.

Apesar de ir à missa regularmente todas as semanas, as mudanças litúrgicas do Vaticano II não me entusiasmavam. Em vez disso, sentia falta do ritual místico da missa em latim que conheci quando era menina, apesar de nunca ter entendido uma só palavra do que dizia o sacerdote. Quando tomei a decisão de entrar à vida religiosa, procurei uma comunidade austera onde pudesse efetuar o sacrifício de uma vida dedicada inteiramente a Deus. Usar o hábito era importante para mim porque este representava a santidade e a identidade religiosa. Ingressei a um claustro de freiras carmelitas que usavam o hábito longo tradicional e tinham um esquema estabelecido de oração diária, silêncio, adoração e o terço.

Minha visão idealizada da vida religiosa começou a colapsar no claustro. Pouco a pouco fui percebendo o quão distante estava de qualquer nobre aspiração de santidade. Vivia com mulheres que padeciam transtornos maníaco-depressivos, vinham de famílias de alcoólatras ou haviam enviudado muito jovem. Compartilhava-se pouco no pessoal e havia escasso contato com o mundo. O Deus, ao qual em algum momento me havia sentido tão próxima começou a desvanecer-se na escuridão.

Eu havia escolhido esse confinamento solitário. Pedi uma licença para discernir meu caminho e me enviaram a uma comunidade Franciscana perto de uma universidade onde pude retomar minha pesquisa. A comunidade também vestia hábito e tinham um esquema diário similar, mas a abertura das irmãs para o mundo era liberadora. Estudei teologia na Fordham University usando o hábito e me senti separada do resto de meus colegas. Durante a semana vivia no Bronx com as irmãs Ursulinas.

Minha primeira conversão na vida religiosa se centrou no exame final num curso sobre o Novo Testamento. Eu não tinha um computador ou um lugar onde trabalhar até que uma irmã Ursulina me ofereceu seu escritório e seu computador além de comida caseira. A preocupação da irmã Jeanne por minhas necessidades, que incluíam esperar-me em pé até depois da meia-noite, abriu meus olhos ao significado da Encarnação. Pela primeira vez vi Deus humildemente presente em jeans e camiseta. Depois vi Deus na frágil irmã Catherine, encarregada das grandes instalações de ajuda aos pobres da comunidade, e a irmã Lucy, cujos 40 anos como missionária no Alaska me proporcionaram muita diversão com suas fascinantes histórias durante as refeições.

Na simples vida diária das irmãs Ursulinas, vi o Deus vivo. Vi o mesmo Deus entre as Franciscanas de Allegany, que me ofereceram um lugar onde pude fazer minha tese de doutorado. Elas me tiraram de minha cela de estudante, levaram-me ao parque e me levaram para comer, além de escutar minhas tristezas. Quando me graduei já havia vivido em três diferentes casas generalicias entre irmãs cujas congregações eram membros da Conferência de Lideranças de mulheres Religiosas.

Através do estudo da teologia, comecei a refletir sobre a Encarnação e as duas formas diferentes de vida religiosa que vivera. Percebi que Jesus efetuava costumes e rituais judeus, que viveu a vida de um humilde carpinteiro e sentiu o chamado de seu ministério, ao redor de seus 30 anos, mas não se diferenciou dos demais por suas roupas ou seus costumes.

Comprometido com as lutas sócio-políticas e econômicas de seu tempo, aproximou-se dos pobres e mostrou compaixão pelos enfermos e os moribundos. Jesus proclamou o reino de Deus e deu sua vida como depoimento da fidelidade do amor de Deus. Por isso sofreu publicamente a morte de um criminoso, sem honra nem glória. Os primeiros cristãos que foram testemunhas da elevação do Senhor tinham o poder de proclamá-lo. Tinha que ser assim: até a conversão de Constantino, viver como cristão era o caminho seguro ao martírio. Hoje também, a vida do evangelho significa dar depoimento da bondade de Deus em Cristo. Em 2005, Dorothy Stang, das Irmãs de Notre Dame de Namur, deu sua vida como mártir pelos pobres do Amazonas.

Os dois grupos contemporâneos de mulheres religiosas –a Conferência de Superiores Maiores das Congregações Religiosas e a Conferência de Liderança de Religiosas- testemunham o Evangelho revelado em Jesus Cristo, mas suas trajetórias diferem.

O primeiro grupo procura unir-sr espiritualmente com Cristo, sua ênfase está numa união nupcial divina.

O segundo grupo segue principalmente o Cristo liberador, testemunhando Cristo entre as lutas da história.

Em ambos grupos podemos encontrar ídolos, segredos e disfunções, assim como santos, profetas e místicos.

Ambos grupos são pecadores e perdoados.

Ambos seguem o direito canônico,

ambos têm seguro médico, seguro automotriz, planos de retiro e sepulturas.




Autor: Ilia Delio, O.S.F., das Irmãs Franciscanas de Washington, é professora e decana do departamento de estudos espirituais na Washington Theological Union

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