A psicóloga Elaine Ribeiro explica que o atual modelo produtivo de trabalho afetou diretamente a saúde da população
Stress, depressão, solidão, assédio moral no trabalho, ansiedade generalizada, fobias sociais são doenças que se tornaram comum na vida moderna. Mas por que elas acontecem?
Segundo a psicóloga Elaine Ribeiro tais patologias tem sido estudadas e o que se constatou é que o modo do trabalho e as alterações na economia, ou seja, tudo aquilo que está ligado a uma condição ou estilo de vida, imprimiam um ritmo e uma exigência profissional que entrava em choque com o homem causando assim problemas psicossomáticos.
Essas doenças psicossomáticas chegam a gerar sofrimento físico como a gastrite, pressão alta, doenças cardiovasculares, obesidade, processos alérgicos e doenças de pele.
“O processo de adoecimento que tem origem na rotina ou modo de vida da população foi alterado drasticamente nas últimas décadas”, salienta a psicóloga.
O modelo produtivo do trabalho afetou diretamente a saúde da população. Como explica a especialista, as cobranças de eficácia, sucesso, superação, supervalorização do trabalho, velocidade nas informações, impõem ao homem uma necessidade constante de renovação e transformação, que quando não acompanhadas geram tais patologias.
O progresso da sociedade de alguma forma encobriu o que acontecia com a sociedade, avançando patologias que hoje são mais manifestas e expressivas.
“Na década de 80, estudos sistematizados começaram a ser feitos e tais constatações ficaram mais evidentes. Há uma grande contradição a partir destas constatações, pois muitas vezes, os problemas que originam os quadros que citei, são originados de comportamentos sociais ou das condições de vida, especialmente nas grandes cidades, e estão diretamente ligados à qualidade de vida que a população não desfruta”, esclarece Elaine.
A psicóloga explica que, em geral, quando alguém procura um médico apresentando sintomas ligados a essas patologias sociais, estes estão relacionados a uma vida exigente, cansativa e com poucas atividades de lazer.
“Percebemos que as respostas fisiológicas tratadas com medicamento, muitas vezes não reagem positivamente, ou reagem apenas na presença do medicamento. Tratamos os sintomas, mas não as causas sociais que geram este adoecimento”, conta.
Capitalismo e individualismo
A sociedade global, explica a socióloga Vera Araújo, docente da Instituto Sophia na Itália, perdeu suas referências, no sistema capitalista global. Neste sistema a satisfação pessoal, o culto ao próprio eu, está acima da busca pelo bem comum. Na compra de um produto, por exemplo, a maioria das pessoas não se preocupa com o procedimento de fabricação e suas causa ambientais e sociais, apenas se preocupa com a satisfação pessoal no ter.
"Na cultura da globalização se sublinha a identidade pessoal, ou seja o ator deve cuidar de si, não dos outros, ele deve ser egoísta se quer vencer, e isso não cria laços, pelo contrário, a globalização leva a instituição de relacionamentos virtuais em vez de relacionamentos pessoais, explica a Vera.
Para a estudiosa, a maior patologia trazida pela globalização é o egoísmo, o que significa uma pessoa pensar que pode crescer e amadurecer sem os outros. "O egoismo é uma auto destruição. Isso é um suicídio, primeiramente moral, espiritual e depois pode se tornar um suicídio até físico", salienta.
“O ritmo da modernização, as exigências capitalistas, dentre tantos outros motivos, incluindo este apego ao individualismo e as sociedades que valorizam o que a pessoa produz, contribuem significativamente para estas patologias e também para um sentimento de 'tenho valor por aquilo que sou capaz de produzir', complementa a psicóloga.
A elevação no nível de exigência nas organizações, a competitividade e outros aspectos educacionais, que nem sempre são acompanhados pelo ensino, por exemplo, trazem um dos primeiros descompassos entre desenvolvimento econômico e social e as lacunas no desenvolvimento e na preparação das pessoas para esta realidade, explica ainda a psicóloga.
“Se antes a sociedade era mais solidária (trocava-se arroz por galinha, frutas por verduras e não necessariamente o trabalho estava ligado a necessidade de ter muito dinheiro, mas com pouco se fazia muitas coisas), hoje ela se baseia em valores muito mais individuais, promovendo vazios existenciais e também o individualismo”, destaca Elaine.
Para a socióloga Vera Araújo, a pior patologia da sociedade moderna é o egoísmo, e todas as outras são conseguências dele”.
Solidão global
Para a socióloga, a globalização não contribuiu para a formação de comunidades, ao contrário, fez surgir patologias sociais como a solidão global. “A globalização não uniu as pessoas e os povos, apenas os colocou em comunicação, não os colocou numa possibilidade de se doar e enriquecer uns aos outros”, salienta Vera.
Numa sociedade que vive processos produtivos e competitividade extrema, é possível perceber, segundo a psicóloga, que o isolamento natural das pessoas se dá pelo medo da violência, falta de confiança, facilidade de estabelecer vínculos virtuais.
“Muitas pessoas passam então a viver num mundo teoricamente mais seguro, preferindo estar em sua casa e relacionar-se com pessoas de qualquer parte do mundo, mas muitas vezes com medo do contato pessoal, da rejeição que possa sofrer e até mesmo, usufruindo da facilidade que a tecnologia oferece”, esclarece a psicóloga.
É possível fazer muitas coisas pelo computador: comprar, vender, pagar contas, escolher um carro, etc. Então, como destaca a psicóloga, muitos pensam: “Por que me arriscar?”
“As situações, muitas vezes são instantâneas, não geram vínculo e laço afetivo, ou alimentam fantasias que fazem com que as pessoas se sintam cada vez mais solitárias. Eu não me abro a novas possibilidades, não me relaciono pois não quero abrir mão daquilo que faço, sou e acredito, e com isto também não permito conviver com as diferenças”, elucida Elaine.
A sociedade precisa de amor verdadeiro
Para a socióloga, a mudança deste tipo de pensamento baseado no individualismo pode e deve começar em todas as estruturas da sociedade: na família, na escola, e até mesmo nas empresas, nos ambientes de trabalho e na política. É preciso construir uma cultura do amor. Aquele amor que nasce no coração das pessoas, amor genuíno que dá sem esperar nada em troca.
“Como salienta o Papa Bento XVI em sua Encíclica Caritas in Veritate, a lógica do dom da gratuidade só é entendida no Evangelho”, destaca a socióloga. A força propulsora para o desenvolvimento da humanidade, enfatiza Vera, é a capacidade de amar verdadeiramente ao exemplo de Cristo.
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