Por dois anos o corpo de Francisco repousou na simples igrejinha de São Jorge, onde ele, em criança, havia aprendido a ler e, depois dos anos de deserto, falou pela primeira vez aos seus amigos e concidadãos. O repouso, porém, não durou muito. Tendo sido eleito Papa, o protetor de Francisco, Hugolino (Gregório IX), sentiu-se chamado a glorificar o seu protegido. Começou o processo de canonização que ele confiou - teria sido um desafio - aos cardeais a respeito dos quais havia antigamente prevenido Francisco; terminou-o com a canonização. Em seguida, deu ordem para que fosse construída uma basílica em honra de Francisco, como centro de um culto universal. Deixou a execução nas mãos de seu parceiro de espírito, Frei Elias: este planejou uma obra genial, que ainda hoje causa admiração aos arquitetos: uma construção monumental à beira duma colina; foi concluída em dois anos.
No dia 25 de maio de 1230, o corpo de Francisco foi transportado, em circunstâncias curiosas, para a basílica, onde até agora descansa na cripta da igreja inferior.
Quem pergunta se nisso se agiu segundo o espírito do Poverello, visite a basílica e vá, depois, à Igrejinha de São Damião, a fim de se convencer de que um profeta, depois de morto, se torna impotente nas mãos de seus admiradores. Isto não quer dizer que Hugolino e Elias foram propositalmente infiéis a Francisco. Estavam simplesmente convencidos de que este profeta do Evangelho devia continuar a viver na história e ninguém poderá negar que o seu plano teve êxito. Quem já visitou Assis, sabe que cada dia chegam ao grande pátio diante da basílica ônibus e carros de turismo estrangeiros e incessantemente descem à cripta, passando pela igreja inferior, romeiros e turistas. O irmão Masseo abanaria a sábia cabeça mais uma vez: "Por que todo mundo corre atrás de ti, Francisco? E justamente atrás de ti?"
É uma pergunta que também a nós nos preocupa. Como é possível que num tempo em que tantos profetas apregoam a sua visão da vida, a visão de um medieval ainda atraia milhares de pessoas?
Nesta nossa reflexão final não temos a intenção de examinar mais uma vez todas as facetas da vida de Francisco. Trata-se de algo mais profundo. Sendo que ele, sete séculos após sua morte, ainda empolga cristãos e não-cristãos, não se pode atribuir isso somente à basílica ou às paredes dela, que se tornaram um enorme afresco nas mãos dos artistas.
Este homem simples deve ter revelado do fundo de sua personalidade alguma coisa que ainda hoje dá uma resposta à questão fundamental da vida. Demonstrou, de modo atraente, como uma pessoa que nada possui, que não tem poder nem cultura especial, pode dar um sentido sublime à existência no cosmos.
Foi o sentido que muitos pensadores de nosso tempo não souberam encontrar. Jean Paul Sartre conta em sua autobiografia "Lês Mots" que, certa vez, quando criança, ao brincar, se sentiu como um viajante sem bilhete de viagem. Anos mais tarde, após ter passado por "uma dolorosa fase de longa duração" (ateísmo), volta ao mesmo assunto: "Sou outra vez o viajante sem bilhete de viagem, dos meus sete anos".
Francisco passou também por um doloroso processo. Sabia, porém, para onde ia. Ele tinha um bilhete de viagem. A direção para uma só finalidade da vida tinha para ele uma universalidade singular. Tudo que ele sentia de amor no cosmos, de maravilhas, de beleza, mas também de sofrimento e miséria, levava-o espontaneamente ao mistério insondável no qual repousa o cosmos. O seu relacionamento com o mendigo ou com o leproso, com o animal ou com os elementos da natureza, adquiria uma dimensão infinita, pois tudo isso atingia as questões básicas da existência: de onde? Por quê? Para Onde? E a razão por que este profeta até hoje causa admiração ou simpatia em muitas pessoas, está na sua resposta: de Deus, por causa de Deus, para Deus.
(Trecho do livro "Francisco de Assis, Profeta de Nosso Tempo", N. G. Van Doornik, da Editora Vozes).
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Pascom Porto Feliz