segunda-feira, 26 de abril de 2010

Pedofilia e perdão


 
A edição de maio-junho da revista Ultimato vai para a gráfica na próxima semana. E Prateleira traz com exclusividade para você o artigo “Pedofilia e perdão”. Este texto, de autoria de Elben César, também foi enviado a centenas de padres casados do Brasil.

“Os escândalos acontecem nos países mais prósperos e cultos da Europa (Alemanha, Áustria, Espanha, Holanda, Irlanda, Itália e Suíça) e na mais poderosa nação do planeta (Estados Unidos). Atingem também a Austrália. Destes, quatro são países de maioria católica. O número de crianças, adolescentes e jovens abusados por padres é assustador. Só na Irlanda, os dossiês publicados em 2009 apontam mais de 15 mil vítimas. Na Holanda são cerca de 1.100 casos presumíveis de abuso sexual cometidos por membros do clero na década de 1950.1 Na Alemanha houve um “tsunami” de denúncias, nas palavras de Elke Huemmeler, chefe da força-tarefa criada para prevenir novos casos. Nos Estados Unidos, o crime foi cometido contra duzentas crianças com deficiência auditiva por um único padre durante 24 anos (1950-1974) e na mesma instituição (St. John’s School).

No Brasil, sabe-se que três padres da Diocese de Penedo, em Alagoas, acabam de ser ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Fórum da Justiça Estadual, em Arapiraca, a 146 quilômetros de Maceió, e reconhecidos como pedófilos. O padre mais novo tem 43 anos e o mais idoso 83. Os três foram ordenados aos 25 anos. Seus nomes ainda estão na mais recente edição do “Anuário Católico do Brasil”, mas consta que teriam sido afastados do exercício do sacerdócio. Ainda em Alagoas, foram encontradas em 2009, na casa de um padre alemão, 1.300 fotos com cenas de sexo explícito ou pornografia infantil envolvendo meninos.

Centenas de artigos e editoriais sobre o assunto foram publicados ao redor do mundo, inclusive no Brasil. A Igreja Católica Romana e o próprio papa estão sendo duramente fustigados. A observação de Roseli Fischmann, professora de pós-graduação em educação da USP, parece oportuna: “Copiando a má prática humana na política, [autoridades católicas] esperam a máxima visibilidade dos méritos e a completa impunidade dos erros”.2

A questão do celibato vem à tona novamente. Alguns tentam defender a Igreja Católica e outros a atacam sem clemência. O jornalista João Pereira Coutinho, da “Folha de São Paulo”, esforça-se para minimizar as coisas, lembrando que, das 210 mil denúncias de abuso contra crianças na Alemanha desde 1995, apenas 300 (0,2%) envolveram padres católicos.3 No entanto, ele esquece que essa minoria é composta por pessoas que, por serem ministras de Deus, têm muito mais responsabilidade que as outras. Já o editorial do dia 28 de março do mesmo jornal diz que “há uma diferença básica entre a compaixão pelo pecador, de ordem essencialmente privada, e o esforço, de ordem corporativa e política, de preservar a instituição [tradicionalmente voltada ao segredo e à intransparência] dos escândalos que a acometem”.

Embora seja contrário ao celibato dos padres, o psicanalista Contardo Calligaris não acredita que o fim do celibato seria remédio contra a pedofilia.4 Já o teólogo Hans Küng, conhecido como o mentor dos intelectuais católicos, diz que o celibato “é a raiz de todos esses males”.5 O leigo católico Antônio Carlos Ribeiro Fester, autor de “Justiça e Paz”, endossa o texto de Hans Küng e propõe que o celibato seja optativo para os padres seculares.6 Seja como for, a observação de Paulo deve ser considerada: “Já que existe tanta imoralidade sexual, cada homem deve ter a sua própria esposa, e cada mulher, o seu próprio marido” (1Co 7.2, NTLH).

Nem Jesus nem os apóstolos instituíram o celibato obrigatório para ministros religiosos. O que eles propõem é a castidade para solteiros, viúvos e casados, para padres e leigos, para homens e mulheres. Nem todo celibatário é casto. Há que se diferenciar uma coisa e outra. É mais fácil ser celibatário do que ser casto.

O voto de celibato e de castidade e o próprio casamento, sozinhos, não garantem a ausência de transgressões e escândalos. Desde a queda, o homem e a mulher têm uma forte índole pecaminosa, não fazem o bem que preferem, mas o mal que detestam, porque o pecado habita neles, como testemunha Paulo (Rm 7.15-16). Ninguém, religioso ou leigo, pode ser ingênuo: todos têm a mesma potencialidade dupla (tanto para o certo como para o errado). Jesus deixou claro que é do interior do coração humano que vem uma porção de coisas más, e entre elas está a imoralidade sexual e o adultério (Mc 7.20-23). Um dos heróis do romancista russo Fiodor Dostoievski diz que “há uma luta entre Deus e o Diabo e seu palco é o coração humano”. C. S. Lewis, o celebrado autor de “As Crônicas de Nárnia”, avisa que todos precisamos enxergar nossa própria pecaminosidade, “além dos atos pecaminosos em particular”. E o filósofo alemão Immanuel Kant confessa: “Somos um lenho torto do qual não se podem tirar tábuas retas”. À vista desse problema crônico, não é o celibato nem o casamento que vai nos livrar da pornografia, da infidelidade conjugal, da prostituição, do homossexualismo e da pedofilia. Só há um remédio, aquele que Jesus sabiamente receitou: negar-se a si mesmo, isto é, dizer não à vontade pecaminosa todas as vezes que ela se manifestar, como, por exemplo, a vontade de abusar de uma criança (Lc 9.23).

O bispo de Petrópolis, Dom Filippo Santoro, tem uma palavra precisa e aliviadora: “O momento presente, marcado pela acirrada discussão sobre a pedofilia, é uma grande ocasião de purificação e conversão da Igreja para poder comunicar com transparência a todos o abraço da justiça e da misericórdia de Deus, que é a razão pela qual ela existe”. A corrupção generalizada e escandalosa do clero no século 15 provocou, na primeira metade do século seguinte, a Reforma Protestante e o Concílio de Trento. Os escândalos, por serem insuportáveis, muitas vezes precedem movimentos bem-sucedidos e demorados de reforma moral e religiosa.

Resta saber se há perdão para o padre que mantém relações sexuais com uma mulher com a qual não se casou ou com uma pessoa do mesmo sexo, ou que abusa da inocência de uma criança. É claro que sim, desde que haja transparência, arrependimento — do tipo que João Batista exige (Lc 3.8) —, confissão e propósitos renovados. O mesmo pode acontecer com pastores protestantes e leigos acusados de escândalos sexuais ou outros quaisquer. A Bíblia é um catálogo de pessoas perdoadas, sobretudo nessa área. Basta ler a história da prostituta Raabe, do escândalo de Davi, da “mulher surpreendida em adultério” (Jo 8.3), da “mulher pecadora” (Lc 7.36-50), do homem da igreja de Corinto que se atreveu “a possuir a mulher de seu próprio pai” (1Co 5.1; 2Co 2.5-11) e dos ex-homossexuais passivos ou ativos que foram transformados e perdoados “pela invocação do Senhor nosso Jesus e pelo Espírito de nosso Deus” (1Co 6.11, BP).

O fato é que, se não houver denúncia, se não houver disciplina e se não houver arrependimento e mudança, a pedofilia poderá tornar-se uma prática tão “normal” quanto a prostituição, o amor livre, o adultério, o lesbianismo e o homossexualismo!”

Notas
1. Estado de Minas, 21de março de 2010, p. 22.
2. Folha de São Paulo, 29 de março de 2010, p. A-14.
3. Folha de São Paulo, 23 de março de 2010, p. E-8.
4. Folha de São Paulo, 1º de abril 2010, p. E-12.
5. Folha de São Paulo, 21 de março de 2010, p. 3 (“Caderno Mais!”).
6. Folha de São Paulo, 31 de março de 2010, p. A-3.
 
Editorial Site Ultimato


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