Por Dr. Frei Antônio Moser (*)
Mal terminada a festa da Páscoa, logo nos inícios de abril, grandes manchetes anunciavam mais um crime chocante: o misterioso assassinato de Isabella Nardoni. Múltiplas reportagens não apenas buscaram interpretar os fatos, como fizeram a ligação entre este e outros tantos crimes denominados hediondos que vão afetando sobretudo crianças. Uma das reportagens foi mais a fundo: ao mesmo tempo que acentuava a força do mal, deixava subentender que o mal acaba triunfando. Daí a pergunta: será verdade que o mal tem a última palavra?
O mal sempre atormentou os seres humanos e se constitui num destes mistérios para os quais jamais se encontra uma resposta satisfatória: mas afinal, de onde vem o mal? Por que o mal? Como entender que ele se apresente com tantas faces horrendas, tanto ao nível das pessoas, quanto das sociedades?
Mesmo sob o prisma teológico os enfoques são diversificados e até contraditórios. Para uns o mal é fruto do que se denomina de pecado original ou de raiz; para outros o mal é constitutivo da condição humana; para outros ainda o mal faria parte da dinâmica da criação. De qualquer forma, as abordagens propriamente teológicas quase sempre deixam transparecer uma preocupação: a de inocentar Deus e reforçar a responsabilidade humana.
Muito curiosamente Paul Sartre, um filósofo existencialista e confessadamente ateu, tendo como pano de fundo os horrores da Segunda Guerra Mundial, não apenas reforça o pressuposto de que o mal encontra-se profundamente enraizado dentro de nós, como acrescenta alguns enfoques que merecem ser lembrados.
Todas as suas teses podem ser resumidas em poucas frases. A primeira delas: a sociedade se encarrega de "despertar" o mal adormecido no coração humano. Segunda tese: alimentadas pelas forças da sociedade as pessoas etiquetadas de "más", vão se configurando e se moldando de acordo com o substantivo que as qualifica: "ladrão", "pederasta", "assassino"... Terceira tese: ao mesmo tempo que alimenta a maldade das pessoas, a sociedade busca meios para se auto-justificar, punindo de modo exemplar os que ela alimentou para a maldade e agora devem ser transformados em bodes expiatórios. Acontece que quanto mais a sociedade vai eliminando os malvados, mais vai sentido necessidade de criar outros monstros, para garantir a festa de rituais macabros sempre de novo renovados.
Estas colocações podem parecer estranhas, e o são de fato. Entretanto, com certeza elas nos oferecem alguns elementos que recordam os fundamentos da compreensão cristã dos maus e da maldade. De fato, todos nós "nascemos em pecado", como diz o salmo 50 e só nos livraremos desta condição através de uma intervenção divina. Isto vale tanto para o nível pessoal, quanto para o nível social. Em seguida: a dinâmica social e pessoal se encontram num processo dialético sem fim: uma vai reforçando a outra. Por isto mesmo, a erradicação do mal, que definitivamente só poderá ser alcançada pela graça divina, pressupõe o empenho humano, seja a nível pessoal, seja a nível social.
Finalmente, uma compreensão cristã tanto nos afasta do otimismo ingênuo, quanto do pessimismo radical. O otimismo ingênuo ou não permite que se enxergue a maldade implantada no coração humano, ou então supervaloriza as forças humanas, em detrimento da intervenção divina. O pessimismo radical, por sua vez, se confunde com um pensamento de Dante Alighieri, na sua Divina Comédia: "perdei a esperança vós que aqui entrais". Para o cristão o mundo presente não se confunde nem com o paraíso nem com o inferno. Ele é o campo no qual se travam as lutas entre o bem e o mal, mas onde, apesar de todas as aparências em contrário, o mal jamais terá a última palavra. Desde que Jesus Cristo ressuscitou, ele não apenas venceu a morte, como também venceu o mal e o pecado. Tanto a nível das pessoas, quanto da sociedade, o círculo vicioso da maldade pode ser rompido: basta que todos e cada um acolham a luz do ressuscitado e sigam os seus passos: através dele todas as sombras podem desaparecer. Não há noite, por mais espessa que seja, capaz de impedir que todas as manhãs o sol renasça, para um novo dia de esperança. Como diz o livro do Apocalipse (21), no final dos tempo a cidade de Deus já não precisará nem do sol nem da luz, "pois a glória de Deus a ilumina, e sua luz é o Cordeiro".
(*) PROF. DR. ANTÔNIO MOSER - É frade da Província Franciscana da Imaculada Conceição, diretor-presidente da Editora Vozes, professor do ITF e Assessor da CNBB para assuntos de Bioética.
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