segunda-feira, 1 de março de 2010

Espiritualidade Carmelita - parte 10

ELIAS E MARIA







Para completar este quadro da visão moderna do Carmo, é necessário dizer brevemente qual é a sua experiência íntima, qual é hoje a característica da sua vida inspirada na fé pura do profeta Elias, mas ainda mais profundamente orientada para Maria, a Mãe de Jesus.






A íntima convicção de herdar o espírito deles contribuiu para dar à Ordem Carmelita uma fisionomia particular a exemplo daquele a quem o rei de Israel podia dizer: «Vive o Senhor, diante de quem me encontro»: palavras que foram compreendidas no sentido duma vida vivida continuamente na presença de Deus», mas que significam literalmente «Vive o Senhor de quem sou servidor», também com uma forte carga de disponibilidade de acção , porque o servidor estava sempre diante do seu mestre pronto para executar a sua ordem. Uma tal consciência da presença divina, a saborear e a servir, marcou com um grande sinal indelével toda a história da Ordem Carmelita, deu um carácter de intimidade com DeusCada um permaneça na sua cela ou junto dela, meditando dia e noite na lei do Senhor e velando em oração, a não ser que esteja legitimamente ocupado com outra coisa». Este mandamento da Regra que lembra o preceito evangélico central «É preciso rezar sem cessar» (Lc. 18, 1), mais que uma oração feita de palavras, exige uma atitude especial do espírito face a Deus: oferecer a Deus um coração puro, purificado de toda a mancha de pecado e saborear no coração e experimentar no espírito a doçura da presença divina: assim se exprime o código mais antigo da espiritualidade da Ordem, o Da Instituição dos primeiros monges da segunda metade do séc. XIV. que, com outros elementos, constituem a característica da própria Ordem. E isso com base num breve capítulo da Regra que diz: «






Hoje acentua-se em Elias o homem de coragem profética e de zelo ardente pela causa do Deus vivo e verdadeiro. É o profeta constantemente aberto à voz de Deus e sensível às exigências mais profundas do povo. Deus domina toda a sua vida e a unifica totalmente de tal modo que o profeta está com Deus quando no monte ele lhe fala face a face e quando está engajado activamente na política e na questão social.






Um outro elemento da história - e sobretudo da vida - carmelita é a convicção entre os Carmelitas que a sua Ordem pertence à Madona.






Já se fez alusão como na colmeia formada pelos eremitas junto da fonte de Elias no Carmelo, não falta a Rainha. Com efeito os itinerários dos peregrinos (guias turístico-religiosos para a viagem à Terra Santa) anotam na primeira metade do séc. XII uma pequena igreja da Madona no local onde estão os eremitas carmelitas; alguns anos depois a pequena igreja é qualificada de muito bela e um documento do Papa Urbano IV em 1263, chama a Madona de Padroeira da Ordem.






O facto dos Carmelitas se terem reunido à volta de uma pequena igreja dedicada à Santíssima Virgem reveste-se dum sentido muito particular. Com efeito, na Idade Média, quem estava ligado a uma igreja, pertencia-lhe, bem como a seu santo titular. Isto é - e isso num sentido estritamente feudal - o titular era o patrão ao serviço do qual estava o clero, colocando-se também sob a sua protecção especial.






Para os Carmelitas, privados dum fundador semelhante ao dos Franciscanos ou Dominicanos, estar ao serviço duma igreja dedicada à Madona significa ser de Maria, posto ao seu serviço (em sua homenagem) e portanto protegidos por ela contra todo o perigo.






Esta consagração mariana foi vivida no princípio na única casa do Monte Carmelo. Mas quando os religiosos aumentaram e se espalharam por vários lugares, eles dedicaram as suas igrejas a Maria, nos seus diversos mistérios, mas com uma preferência marcante pelo mistério da Anunciação, origem principal de todo o privilégio mariano, porque por ele, Ela se torna Mãe de Cristo e portanto Domina Loci, (Senhora do Lugar), isto é, da Terra Santa e em particular do Carmelo.






Maria é portanto fonte de inspiração no estilo de vida do Carmo, no coração de sua fé, na sua esperança e na sua caridade. Dando testemunho da presença viva de Maria na história da Salvação, o Carmo coopera com a incarnação de Cristo no mundo de hoje. E como Maria, numa dimensão privilegiada e misteriosa, ele é parte activa do povo de Deus e orienta-o para o seu fim, assim o Carmo quer ser evangelicamente irmão no meio dos seus irmãos, especialmente entre os mais pobres e os mais humildes, olhando só para Deus no longo e extenuante caminho da humanidade.






Citamos do documento As fontes do V Conselho das Províncias Carmelitas (Outubro 1979):






«Maria é filha de Deus a quem ela se consagra totalmente; Deus constrói nela a sua morada, cobre-a da Sua Omnipotência, como a nuvem miraculosa que envolvia Moisés no Sinai, e enche-a da Sua glória. E Ela, que já tinha Deus no fundo do seu coração, torna-se a bem-aventurado entre as mulheres, recebendo no seu seio a Plenitude do Senhor, o Verbo Incarnado. Maria gera o Verbo que trará a salvação ao mundo inteiro: a Palavra, semeada no seu coração, ela oferece-a aos outros permanecendo constante e dolorosamente unida a Ele. Maria, que «sobressai entre os humildes e pobres do Senhor» (Lumen Gentium, 55) e está intimamente ligada à humanidade deixa-se penetrar totalmente pela obra da Redenção realizada pelo seu Filho. Ela trabalha em perfeita colaboração, até experimentar no íntimo mais profundo do seu ser, o sofrimento da cruz, aceite com clareza de fé, em perspectiva de fecundidade e em plenitude de amor.






Maria sabia escutar Deus, interiorizando e fazendo a sua vontade. Ela sabia rezar com inteira disponibilidade e sem compromisso. Mas ela sabia também dar à escuta e à oração o valor de serviço pelos homens. Deste modo ela traça o caminho da nossa peregrinação terrestre tendo realizado «na sua vida sobre a terra a figura perfeita de discípulo de Cristo, espelho de todas as virtudes e tendo incarnado as bem-aventuranças evangélicas proclamadas por Cristo» (Paulo VI, 21 de Nov. 1964).






Nós, como Carmelitas, olhamos Maria para compreender e viver a fundo a sua atitude de escuta e de resposta à Palavra de Deus, evitando assim identificar a religiosidade com o pietismo alienante ou com o secularismo que se fecha à transcendência. Como ela nós queremos aspirar sempre mais a um trato íntimo de vida com Deus, e realizar por isso mesmo profundas e vivificantes relações com os outros. Considerar Maria como modelo inspirador da nossa vida, significa para nós, em última análise, aproximar-nos de Cristo, conformar-nos com Ele numa tríplice abertura: a Deus, através da escuta e da oração; a nós próprios, através de inserção da nossa identidade; e aos outros através do serviço generoso, particularmente em relação às pessoas humildes e abandonadas.






O Carmelo, na sua vida multissecular, desde as origens até hoje, sempre manteve esta inspiração eliana e mariana, mesmo com tonalidades e acentos diversos, devidos aos tempos. E é absolutamente na linha desta inspiração que foram aprovadas pelo Capítulo Geral da Ordem (1983), as orientações e linhas de acção para uma presença mais autêntica e profética do Carmelo no mundo de hoje.






Isso foi concretizado mais particularmente em alguns objectivos:






- Pelo estilo de vida exorta-se cada comunidade da Ordem a transformar-se sempre mais num verdadeiro grupo animado e animador no sentido de Deus e da fraternidade, no interior com os outros homens. Comunidade formada por pessoas que vivem confrontando-se, - não só a nível pessoal, mas também a nível comunitário - com a Palavra de Deus, a exemplo de Maria e de Elias, e que partilham entre si, alegrias, tristezas, dificuldades, problemas de fé, de vida e de trabalho. Comunidades que escolhem um estilo de vida simples e pobre, o qual constitui, no contexto actual do bem estar e de consumo, um testemunho concreto de alternativa evangélica.






- Pelo apostolado mostra-se a escolha e o reconhecimento por parte da Ordem da pluralidade das formas e das obras de apostolado contando que elas sejam submetidas ao discernimento, tendo como base o critério de que sejam verdadeiramente orientadas para a edificação do Reino de Deus. Nesta pluralidade de formas dá-se uma atenção especial e oferece-se um estímulo àqueles que se esforçam por viver a sua própria doação a Deus acentuando a vida de oração e dando testemunho da sua própria fé em Deus vivo num mundo secularizado; como aos que procuram engajar-se no meio dos mais pobres, que vivem em situação de injustiça para os ajudar a libertar-se. Deste modo, hoje, os Carmelitas, vêem e querem viver o seu ideal de sempre homenagem a Jesus Cristo, isto é, a adesão a Jesus crucificado e ressuscitado num contínuo esforço de testemunhar por toda a parte a sua presença de amor e libertação.

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