sábado, 22 de agosto de 2009

DOUTRINA SOBRE DONS EXTRAORDINÁRIOS


Por São João Da Cruz - Doutor da Igreja

8. O segundo dano que pode provir do primeiro é detrimento a respeito da fé, de duas maneiras. A primeira, quanto ao próximo; como, por exemplo, se uma pessoa se dispõe a fazer milagres ou maravilhas fora de tempo ou sem necessidade, não somente tenta a Deus, o que é grave pecado, como ainda poderá fazer com que o efeito não corresponda à sua expectativa. Os corações, desde logo, serão expostos a cair no descrédito ou no desprezo da fé. Porque embora o milagre se realize, e Deus assim o permita por motivos só dele conhecidos, como fez com a pitonisa de Saul (1Sm 28,12) (se é verdade que foi Samuel que ali apareceu), nem sempre acontecerá assim. E quando acontecer realizar-se o prodígio, não deixam de errar

A segunda maneira é que o homem pode sentir em si mesmo detrimento em relação ao mérito da fé. A estima exagerada dos milagres, cujo poder lhe foi dado, desvia-o muito do hábito substancial da fé que por si mesma é hábito obscuro; e assim, onde abundam os prodígios e os fatos sobrenaturais, há menos merecimento em crer. A esse propósito, diz-nos S. Gregório: "A fé é sem mérito quando a razão humana e a experiência lhe servem de provas". Por este motivo, Deus só opera tais maravilhas quando são absolutamente necessárias para crer. A fim de que os seus discípulos não perdessem o mérito da fé quando tivessem experiência da sua ressurreição, Nosso Senhor, antes de se lhes mostrar, fez várias coisas, para induzi-los a crer sem o verem.

A Maria Madalena primeiramente mostrou vazio o sepulcro e depois lhe fez ouvir dos anjos a notícia desse mistério; porque a fé vem pelo ouvido, como diz S. Paulo, e assim esta santa deveria acreditar antes ouvindo do que vendo. Mesmo quando o viu, foi sob o aspecto de um homem comum. Nosso Senhor quis desse modo acabar de instruí-la na fé que lhe faltava por causa de sua presença sensível. Aos seus discípulos, primeiramente, enviou as santas mulheres a dar-lhes a nova da ressurreição, e eles depois foram olhar o sepulcro. Aos dois que iam a Emaús (Lc 24,15) juntou-se no caminho dissimuladamente; e inflamava-lhes os corações na fé, antes de se manifestar aos seus olhos. Enfim, repreendeu a todos os seus apóstolos reunidos, por não acreditarem na palavra dos que lhes tinham anunciado a sua ressurreição; E a São Tomé, porque quis ter experiência tocando nas suas chagas, censurou o Senhor quando lhe disse: "Bem-aventurados os que não viram, e creram" (Jo 20,29).


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