Novamente Porto Feliz é destaque negativo no noticiário nacional. Desta vez retoma um grande escândalo de 2003, sobre uma grande operação policial, que foi destaque em todas as grandes redes e veículos de comunicação.
Link do vídeo www.globo.com/fantástico
Veja abaixo matéira do site do Programa:
Quatro pessoas morrem em uma ação do Departamento de Narcóticos (Denarc) no interior de São Paulo. A polícia diz que elas eram traficantes e atiraram nos policiais. Mas uma investigação da própria polícia e do Ministério Público mostra uma farsa: uma execução sumária de quatro inocentes desarmados, que não reagiram.
Imagens do dia 11 de julho de 2003 mostram o Denarc - principal departamento da Polícia Civil de combate às drogas em São Paulo - comemorando o resultado de uma operação em Porto Feliz, no interior do estado.
A polícia afirma que, ao chegar a um sítio, dois investigadores foram recebidos a bala. Um deles acabou ferido nas costas. Segundo o Denarc, na troca de tiros, foram mortos dois homens e duas mulheres, que estariam armados e seriam traficantes.
“Aqui fica fácil de você pulverizar a droga e não tem muita fiscalização como em São Paulo”, disse o delegado Everardo Tanganeli, na época.
Hoje, seis anos depois, a Corregedoria da Polícia Civil e o Ministério Público afirmam que há fortes indícios de que delegados e investigadores mentiram e que quatro inocentes foram executados.
Na região, encontramos parentes dessas pessoas e testemunhas da ação policial. Também tivemos acesso a detalhes da investigação.
Eram 7h30, e os policiais tinham um mandado de busca. Dois ficaram mais distantes, enquanto outros dois entraram no sítio. Eles não usavam roupas da polícia.
A primeira ação foi prender um funcionário. O caseiro viu a cena, estranhou o movimento e atirou contra os policiais. Ele atingiu um investigador e fugiu.
“O caseiro tirou, porque pensou que era bandido, que estava invadindo a chácara. Eles não estavam com roupa de polícia, estavam à paisana”, conta o agricultor Ademir Lopes da Silva.
Segundo o Ministério Público, depois que o investigador foi ferido, a equipe do Denarc quis vingança e começou uma série de execuções. A investigação mostra que o primeiro a ser morto foi Luiz Carlos, um funcionário do sitio de 16 anos, que estava desarmado. Ele morava em uma casa simples, com o pai e a avó. O jovem estudava à noite. De dia, ficava no sítio.
“Ele cuidava da horta. Às vezes, lidava no chiqueiro dos porcos. Era muito boa pessoa. Ele era uma maravilha. Nunca fez nada para ninguém”, garante a avó Elvira Camargo da Silva.
“Meu filho nunca teve problema com delegacia, nem com a professora. Todos queriam bem”, lembra Odacir Lopes da Silva, pai de Luiz Carlos.
Luiz Carlos era filho único. “Vou falar a verdade: para mim arrebentou tudo por dentro. Ele morreu de graça”, lamenta Odacir.
De acordo com os promotores, a segunda pessoa a ser assassinada foi a mulher do caseiro: Ilza Araújo, de 41 anos. Ela dormia quando os policiais invadiram a casa.
“Ela limpava a casa, lavava roupa, fazia tudo. Eu ouvi falar que ela ficou trabalhando lá uns seis meses”, diz Herminegildo Araújo, ex-marido de Ilza.
Segundo a investigação, a chacina continuou em outra casa, onde estavam quatro crianças e o casal Flávia de Castro e Edson Tomaz, que tinha passagem na polícia por furto.
Nós localizamos um menino e uma menina, que na época tinham 9 e 6 anos. Os irmãos vivem hoje escondidos. Eles viram tudo.
“Quando eles chegaram, meu pai estava com meu irmão no colo. Ele falou assim: ‘solta esse menino senão ele vai morrer junto com você’. Meu pai falou, ‘não, por favor’. Ele começou a chorar e ajoelhou no chão. Na hora em que ele soltou o meu irmão, ele foi lá e atirou. Mas meu pai tossiu. Ele chutou meu pai e falou assim: ‘seu desgraçado, você está vivo ainda’. Ele foi lá e deu um tiro nas costas do meu pai”, conta a filha do casal.
De acordo com o Ministério Público, outro agente do Denarc matou a mãe das crianças, que também estava desarmada e não reagiu. As crianças não sabem explicar por que não morreram e dizem que, depois das execuções, os policiais começaram a ter atitudes estranhas.
“Nós fomos para trás da casa. Então, o cara veio com a arma na mão. Eu vi ele colocando a arma na mão do Buda”, lembra o menino.
Buda era o apelido que o rapaz de 16 anos, Luiz Carlos, tinha desde criança. Ele foi o primeiro a ser morto. Há outros indícios de que os policiais alteraram a cena do crime.
“Os policiais estavam dando tiro na parede”, descreve o filho do casal que testemunhou a morte dos pais.
Uma testemunha que passava por lá, naquele dia, conta que depois de 15 a 20 minutos da chegada dos policiais, eles continuavam dando tiros e muitos. O que chamou a atenção da testemunha é que os policias estavam próximos da casa e atiravam no sentido do portão, onde não havia ninguém. Para a corregedoria, isso foi uma farsa: uma tentativa de simular um confronto entre moradores e policias.
Localizamos a testemunha: “Eles atiravam para o lado do portão, e não tinha ninguém no portão. As pessoas já estavam mortas, com certeza” conta.
E mais: a perícia não encontrou droga no sítio. Entre os policiais que participaram da operação estão o delegado Sérgio Lemos, que é acusado de alterar a cena do crime, e o agente José Virgilio Junior. Segundo a investigação, foi Virgílio quem matou o pai das crianças.
“Fiquei vendo a hora em que deu um tiro no meu pai”, diz o filho da vítima.
Em 2007, o agente do Denarc chegou a ser preso. De acordo com a corregedoria, logo depois de ser solto, ele tentou sequestrar a menina que presenciou o assassinato do pai. Ela diz que só conseguiu escapar, porque teve ajuda de pessoas que passavam pela rua.
“Eu reconheci o policial. Ele falou assim: ‘ainda eu te pego. Você vai ver, você e seus irmãos. Ainda te pego’”, conta a jovem.
José Virgilio foi preso novamente, expulso da Polícia Civil, e hoje responde às acusações em liberdade.
O Fantástico procurou Virgílio e a direção do Denarc na época da chacina. Todos preferiram não comentar as denúncias. O delegado Sérgio Lemos não foi encontrado pela nossa equipe.
Agora, a corregedoria afirma que descobriu mais uma mentira dos policiais que invadiram o sítio. No dia da chacina, nem todos eram do Denarc. A investigação revelou que, no grupo, havia um informante da polícia, que também é acusado de participar das execuções.
Na casa dele, foram encontrados coletes à prova de balas, capuz, armas e muita munição. O suspeito foi reconhecido por testemunhas e aguarda o fim da investigação em liberdade. Nos próximos dias, a corregedoria vai pedir a prisão dos acusados da chacina até o julgamento. A pena pode passar dos 40 anos.
“Os policiais perderam a mão e fizeram toda a bobagem que fizeram. Mataram quatro pessoas inocentes”, diz o advogado das crianças Agnaldo Guimarães.
“Esses caras têm que ser punidos”, afirma o agricultor Ademir Lopes da Silva.
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