"Pelas estradas da vida, nunca sozinho estás. Contigo pelo caminho, Santa Maria vai. Ó vem conosco, vem caminhar, Santa Maria vem. Se pelo mundo os homens, sem conhecer-se vão; não negues nunca a tua mão, a quem te encontrar. Mesmo que digam os homens, tu nada podes mudar. Luta por um mundo novo, de unidade e paz. Se parecer tua vida inútil caminhar, lembra que abres caminho e outros te seguirão."
Foi com essa música, de autor desconhecido, que o padre Paulo Roberto Gonzales encerrou a bênção aos quatro mil fiéis que iniciavam a 11ª. Caminhada da Penha de Votorantim, no início da madrugada de ontem, na matriz de São João Batista. Apesar de bastante antiga e conhecida entre os hinos católicos, a letra parecia feita para a ocasião: estimulante a princípio para os que pretendiam percorrer à pé os 21 quilômetros que separam a igreja do destino, a Capela de Nossa Senhora da Penha, na Serra de São Francisco. Mas no decorrer do caminho, dividido em dez quilômetros de asfalto e onze de estrada de terra, quando os metros se uniam à escuridão, ao silêncio e ao cansaço, a composição musical foi o único instrumento de conforto, pois remetia os pensamentos à fé - necessária aos veteranos e aos novatos, que pelas seis horas de caminhada, não se distinguiam e mais do que nunca, naquele corredor humano, eram todos iguais.
Um carro de som que levava a imagem de Nossa Senhora seguiu à frente, puxando a multidão, enquanto as viaturas da Polícia e do Resgate zelavam pelos últimos caminhantes. No trecho urbano, entre a matriz e o cemitério São João Batista, o entusiasmo, a disposição das pessoas e a claridade das luzes dos postes favoreceram as conversas paralelas. Havia gente que estava ali pela décima-primeira vez, outras pela sexta e outras ainda pela primeira. Os motivos da peregrinação eram os mais variados: pela fé, claro; pelo alcance de graças, mas também por teste de resistência física, psicológica, por aventura e até por fé.
Nesse trecho também foi possível perceber que haviam caminhantes de todas as raças, idades e classes sociais. Gente vestida com acessórios ideais para longas caminhadas, com botas, calças, tocas e bengalas. E gente de chinelo, jeans. A presença dos jovens foi maciça.
Jovens e a velha bicicleta azul
Elizângela e Kelvin, de 16 e 15 anos, respectivamente, estavam responsáveis por mais quatro menores, primos e vizinhos do Vossoroca. O menor do grupo tinha doze anos. Bem agasalhados, equipados com mochilas de suprimentos, seguiam cantando e brincando pelo caminho. Aqui (antes do cemitério) é fácil. Depois, quando a gente vai se aproximando da serra, na subida, vai chegando o cansaço e o silêncio. Na parte de terra é frio e as bochechas ficam amortecidas, detalhou a veterana Elizângela, que estava na sua quinta peregrinação. Já o vizinho Kelvin, que é de família evangélica, estava na sua primeira ‘romaria. O motivo era a aventura de andar durante toda a noite e ver o sol nascer no ponto mais alto da cidade. E também, mal não faz. Minha mãe não se opôs, então estou aqui, afirmou.
O aposentado Roberto, conhecido como ‘Homem de Ferro, de 59 anos, também esteve por lá com a sua velha bicicleta azul. Sempre me chamaram, mas nunca deu certo de vir. Desta vez estou aqui, vou à pé levando minha bicicleta para depois voltar mais rápido, observou ele, que há 40 anos é peregrino, já perdeu a conta de quantas romarias fez e quantas vezes foi à pé até Aparecida do Norte. Eu faço isso porque gosto e porque acredito ter a missão de ser exemplo e incentivar as pessoas, disse, justificando o apelido.
Já no percurso de estrada de terra, cercada por eucaliptos, o cansaço começava a dar sinais aos peregrinos. Alguns grupos cantavam, outros contavam histórias com o objetivo de sentir menos os efeitos dos quilômetros andados. O cansaço das pernas e o sono favoreciam a introspeção. A luz da Lua iluminava a caminhada, transformando-se numa espécie de companheira e era o único recurso da maioria para driblar o cascalho e evitar os escorregões.
A chegada
Em determinados momentos foi possível ouvir apenas o atrito dos pés no chão, às vezes interrompidos pelo som do trote dos cavalos, dos cerca de vinte cavaleiros que auxiliavam no monitoramento dos caminhantes, que distraíam os pensamentos. A chegada à capela, já com as dores amortecidas, era tida como conquista. Mesmo em busca de algum lugarzinho para se deitar e esperar pela missa, marcada para 7h, era possível ver a alegria dos caminhantes na conclusão da jornada. Senhor, até que enfim cheguei. Não estou sentindo nada no meu corpo, disparou uma moça de uns 20 anos a uma colega calada.
O cruzeiro existente em frente a capela foi tomado por jovens que se deitavam aos montes. O mesmo aconteceu com a igrejinha, com o gramado ao redor. A exaustão era unânime, até que o sol chegou e começou a esquentar, como se trouxesse as cores das roupas e a alegria do despertar. Até a espera pelos três ônibus cedidos pela empresa São João, que levaram os romeiros de volta ao Centro votorantinense em três viagens cada, foi motivo de brincadeira, piadas e gargalhadas apesar do cansaço evidente.
'Ato maluco'
Muito emocionado e com lágrimas nos olhos ao ser questionado sobre o evento, Paulo Roberto Ferreira Camargo, o Beto, idealizador da caminhada, destacou a alegria em conseguir reunir tanta gente num ato que considera 'maluco'. Me sinto realizado porque temos cada vez mais jovens participantes, em reunir as pessoas num propósito positivo, além de poder ajudar alguém, explicou referindo-se as mais de cinco toneladas de alimentos, que foram doadas pelos romeiros durante a semana passada e que serão distribuídas a quinze entidades da região. Além disso, Beto citou toda a estrutura da romaria composta por doações e realizada por voluntários, como os alimentos servidos nas três paradas do percurso e no café da chegada.
Ao todo foram doados cem litros de água, cinco quilos de pó de café, dois mil pães, quinze quilos de mortadela e quarenta quilos de banana. Dá orgulho isso, disse olhando Filomena Aparecida Monari, de 46 anos, devota de Nossa Senhora da Penha há 20 anos. Acompanhada do marido Heleno, da filha Kátia, do genro André e da netinha de um mês, Melissa, ela contou que fez uma promessa à santa. Eu pedi tudo, não tínhamos nada. Até que fiz o pedido e fui atendida. Hoje tenho meu sustento numa receita de salgado que achei, comemorando, mas que a partir do próximo ano fará peregrinação de carro, devido à artrose. Mas hoje estou com minha neta nos braços, com minha família presente, sadia. Isso já é o bastante e me sinto abençoada, finalizou, aconselhando a peregrinação. Não há o que não seja atendido se for pedido com fé, garantiu.
NÚMEROS DA CAMINHADA
Estrutura
11ª edição
4 mil romeiros
21 quilômetros (10 de asfalto e 11 de estrada de terra)
6 horas de duração
5 toneladas de alimentos arrecadados
15 entidades beneficiadas
Consumidos:
100 litros de água
5 quilos de pó de café
2 mil pães
15 quilos de mortadela
40 quilos de banana
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