O dado permite constatar não só a existência e consistência de uma diversidade imensa na pertença religiosa brasileira como a sadia convivência entre as diversas confissões, tranquilamente reconhecida pelo censo. No entanto, alguns matizes na maneira como está elaborada o questionário permitem perceber que não há tanta neutralidade assim na proposta do censo. Existem dois questionários: o 'básico' e o 'da amostra'. No questionário básico não existe a pergunta: "Qual é a sua religião ou culto?". Esta, por outro lado, está presente no questionário "da amostra". Este segundo questionário será aplicado apenas em um número reduzido de domicílios, na proporção de um para cada dez. A religião será, portanto informada por amostragem, como acontece com as estatísticas e desde ai constará do quadro geral do censo. Porem, há outros detalhes, que dizem respeito sobretudo ao cristianismo histórico, religião que ainda congrega a maioria do povo brasileiro. Segundo artigo do cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, para quem e católico, não basta afirmar isto. O recenseado será imediatamente colocado diante de uma lista de 27 opções e subdivisões da religião católica. Dom Odilo aponta aí uma distorção, que na verdade existe. Pois das 27 alternativas pelo menos 12, ou seja, quase a metade não é de outras igrejas, confissões ou religiões, mas de grupos e associações que existem dentro da confissão católica romana. Por outro lado, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, uma das mais importantes denominações protestantes históricas existentes no Brasil, que representa três quartos dos luteranos brasileiros, se queixa de haver sido excluída das opções do censo. Em meio a 48 designações com o termo “luterano”, não se encontra a IECLB. Em longa entrevista ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, o pastor presidente Walter Altmann, declara que tomou conhecimento da exclusão através de fiéis de sua Igreja, os quais, ao receber os recenseadores, constatavam confusos que a única sugestão específica quanto a luteranos empregava a expressão “luterano pentecostal”, designação que nenhum luterano emprega ou reconhece para si. Tanto o cardeal quanto o pastor presidente se preocupam com a confusão que isso possa gerar e na verdade já está gerando entre os fiéis de uma e outra igreja. Os subgrupos internos a organização da Igreja Católica não são “outras” confissões, mas a mesma, na expressão de seus diversos carismas, agremiações, associações e movimentos. Há aí uma imprecisão que é grave não só pelo erro explícito que apresenta, mas pela confusão que pode gerar e a falta de clareza a qual pode induzir. Igualmente, reconhecer e apresentar mais de quarenta denominações protestantes, sem mencionar aquela que agrupa três quartos dos fiéis existentes no país é no mínimo aberrante. “E mais ainda ao colocar lado a lado as palavras “luterano” e” pentecostal”. Quem tem um mínimo conhecimento do protestantismo sabe que o movimento pentecostal difere bastante da corrente histórica, não sendo portanto, as duas expressões intercambiáveis. Enquanto, por um lado, é altamente positivo que todas as pertenças religiosas do nosso imenso e variegado país apareçam no censo, de maneira que todas as pessoas se encontrem contempladas na medida do possível, certamente não o é a nebulosidade em que parece que fica a questão do cristianismo histórico devido à maneira como são formuladas as questões aos brasileiros recenseados. A importância do censo e inegável, mas o quesito religião parece que deixa muito a desejar em termos de clareza e precisão. É compreensível, portanto que o cardeal e o pastor, responsáveis pelas igrejas em questão, estejam empenhados em esclarecer o povo quanto a isto. Pois com tal distorção, o dado corre o risco de ser deturpado e uma parte do censo perde seu objetivo e sua razão de ser, que é apresentar uma radiografia o mais exata possível do povo brasileiro. | ||
Autor: Maria Clara Lucchetti Bingemer |
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Censo e religião: algumas interrogações
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