No último mês enterrei seis crianças no hospital pediátrico onde todos os sábados celebro a missa. Cinco meninos –Zhenja, Anton, Sasha, Alesha e Igor– e uma menina, Zhenja Zhmyrko, uma bela mocinha de dezessete anos. Morreu de leucemia. Teve uma agonia lenta, com dores terríveis, que nenhum remédio conseguiu aliviar. E neste mês a mesma trágica rotina: cinco pequenos ataúdes é nossa estatística habitual. Estatística tremenda, cruel, assassina. Mas estatística. E em cada caixão há um menino que para seus seres queridos era seu pequeno, amado, adorado, predileto: Maksimka, Ksjusha, Nastja, Natasha, Serezha... ONDE ESTÁ, DEUS? É fácil acreditar em Deus quando caminhamos pelo campo, no verão. O sol resplandece, as flores emanam seu perfume e o ar é suave. "E nos céus vejo Deus", como escreveu o poeta russo Mihail Lermontov. Mas e aqui? Onde está Deus? Se ele é bom, onipotente e onisciente, por que se cala? E se for verdade que castiga estes meninos por suas faltas, ou pelas culpas de seus pais, como crêem alguns, então não é um ser "cheio de paciência e rico em misericórdia", pelo contrário: é cruel. Deus permite o mal para que tiremos algum proveito, ou porque quer nos ensinar algo, ou será para evitar que nos ocorra algo ainda pior ? Isto é o que ensinavam os teólogos em Bizâncio, na Idade Média. E nós também continuamos afirmando algo similar. Então, a morte destes meninos seria uma lição de Deus para nós? Ou um mal menor, que nos permite evitar algo pior? Bem, se Deus planejou estas mortes,mesmo que fosse com a finalidade de fazer-nos entrar em razão, então não é Deus senão um pérfido demônio. Por que teríamos que adorá-lo? Pelo contrário, deve ser expulso de nossa vida. Se Deus, para nos ensinar algo, pôde assassinar Antosha, Sasha, Zhenja, Alesha, Katja e muitos outros meninos, então eu não quero acreditar neste Deus. FÉ É CONFIAR Esclareço que "ter fé", ou "crer", não significa "reconhecer sua existência", senão mais bem "confiar, entregar-se a ele". Se for assim, aqueles que no passado destruíam as igrejas e lançavam à fogueira os ícones tinham razão; ou pelo menos, os que transformavam as igrejas em casas "de cultura". Tudo isto é triste. Mais que triste, é horrível. Ou talvez não seja necessário pensar nisto, senão simplesmente tentar consolar. Dar aos que já não podem carregar mais peso este "ópio para o povo" e, pelo menos assim, esperar que seus sofrimentos sejam aliviados. Consolar, acalmar, compartilhar. Mas o ópio não cura. Serve somente para aturdir por um momento, tira a dor durante três ou quatro horas; e depois deve-se dar mais, e mais e mais... Mas é horrível ter que mentir. E principalmenteo mentir sobre Deus. Eu não posso fazer isso; não consigo. Senhor! Que posso fazer? Olho sua cruz, vejo como morre sofrendo horrivelmente. Olho suas chagas,morto, seu corpo nu, na espera de sepultura... Neste mundo o senhor compartilhou nossa dor. Assim como nós, também grita quando morre na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" Como um de nós, como Zhenja, como Anton, como Alesha, como cada um de nós, também gritou a Deus esta terrível pergunta e entregou seu espírito". De quem é a culpa da dor? Não sei. Mas sei quem é o que sofre conosco: é Jesus. Mas então, como compreender o mal que é cometido diariamente no mundo? Não faz falta compreendê-lo, senão lutar contra ele. Vencer o mal com o bem, como nos propõe o apóstolo Paulo. Cuidar dos enfermos, vestir e dar de comer aos pobres, deter as guerras, e assim sucessivamente. E sem descanso. E se não pudermos, se nossas forças não forem suficientes, então devemos postrar-nos diante de sua cruz, aferrar-nos ao seu pedestal, como se fosse a única esperança.
Ele morreu na cruz como um criminoso. Com sofrimentos atrozes. O que aconteceu depois de sua morte? Nós acreditamos que ressuscitou, mas não sabemos. Não sabemos! No começo do capítulo vinte do evangelho de João, vemos Maria Madalena, depois os apóstolos Pedro e João, e sentimos essa dor penetrante que impregna tudo nessa manhã primaveril de Páscoa. Dor, tristeza, desespero, cansaço. Mas esta mesma dor penetrante, este mesmo sentimento irremediável, que de maneira tão clara apresenta o evangelho de João, eu o sinto sempre, ao lado do caixão de uma criança ... sinto-o, e com sofrimento, entre as lágrimas e o desespero, creio: sim, vós ressuscitastes para valer, ó Senhor! Klara morreu enquanto escrevia estas páginas, depois Valentina Ivanovna, e por último Andrjusha: são outros três caixões. Há alguns dias um menino me confidenciou que não acreditava que houvesse vida lá no "céu"e, por isto, temia ser um mau cristão. Respondi-lhe que sua dificuldade de compreender o que se refere a outra vida demonstrava justamente o contrário: é a prova da sinceridade de sua fé. E me explico: uma vez um sacerdote –já não tão jovem– disse-me que era difícil falar da morte e ensinar a seus fiéis a não terem medo dela, porque ele não perdera ninguém que lhe fosse verdadeiramente próximo. Sincero. Muito sincero. E muito justo. FALAR A PARTIR DA EXPERIÊNCIA Sinto certa vergonha quando vejo algum jovem sacerdote, recém saido do seminário que, com suficiência e calma, explica a uma mãe que acaba de perder seu filhinho, que na realidade foi melhor assim, que Deus quis assim e que, portanto, ela, essa pobre mãe, não tem que deixar-se abater pela dor. "Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos": é isto o que Cristo nos diz em seu evangelho (Lucas, 20, 38). Mas para que este anúncio penetre no coração, cada um de nós precisa de uma experiência pessoal direta de desgraça, dor, perda, de uma experiência que nos leve a mergulhar no abismo do desespero, do desconsolo e das lágrimas. Não são alguns dias ou semanas, mas sim anos de intensa dor. Este anúncio entra em nosso coração sem anestesia e só através das perdas pessoais. Não pode ser aprendido como uma lição de escola. Eu me atreveria inclusive a afirmar o contrário. Aquele que acredita realmente e não tem nenhuma experiência da dor, engana-se. Ele ainda não tem uma fé, senão uma proximidade à fé de outros, daqueles que quiseram imitar com a vida. Jesus não sofre apenas pessoalmente, senão que desce aos infernos, para compartilhar também ali o sofrimento alheio. Ele nos chama sempre quando diz: "Siga-me!". Muitas vezes tentamos sinceramente ir atrás dele, mas... tentamos não advertir o sofrimento alheio, fechamos os olhos, não ouvimos... Tentamos convencer alguém que sofre de que na realidade sua dor é só uma impressão, e uma impressão que tem porque não ama a Deus, e assim seguimos... Enfim, deixamos a pessoa que sofre, que está mal, na dor sozinha, abandonada justo no momento mais difícil do caminho da vida. DESCER AOS INFERNOS Pelo contrário, deve-se acompanhar essa pessoa aos infernos, seguindo assim o Mestre. Deve-se sentir com o próprio coração a dor de quem está ao nosso lado, em toda sua integridade, crudelidade e autenticidade. É preciso compartilhar o sofrimento com a pessoa, vivenciá-lo com ela. Lembro-me da morte de uma parente de 80 anos, que vivera sempre com sua irmã. Um ano depois a irmã dela me disse: "Obrigada por você não ter me consolado nesse momento, você esteve ao meu lado e isso foi importante". Talvez nisto resida o cristianismo: estar ao lado, estar juntos. Nós somos pessoas do Sábado santo. Jesus já desceu da cruz. Talvez já tivesse ressuscitado, porque o evangelho que se lê nesse dia fala disto. Mas ninguém sabe ainda. O anjo ainda não disse: "Não está aqui, ressuscitou". Ninguém sabe . Sua ressurreição é advertida só com o coração; e percebem-na só aqueles que não perderam o hábito de sentir com o coração... |
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Onde está Deus ?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Onde está Deus?
ResponderExcluirJá procurei muito, muito andei
muito chorei, cantei e até briguei.
Hoje vejo nas coisas mais simples e próximas
de mim, muito obrgado a vocês que colocaram ai este texto que acabei de ler inteirinho e recomendei à duas amigas sobre ele.