terça-feira, 27 de outubro de 2009

Parte 1




Confissões de uma freira moderna

A vida religiosa entre as mulheres está sofrendo mudanças evolutivas enormes que só podem ser descritas como um cataclismo. A visita apostólica vaticana a diversas congregações femininas nos Estados Unidos e a recente pesquisa da Conferência de Lideranças de Mulheres Religiosas indicam que Roma não está contente com as chamadas freiras pós-Vaticano II que se vestem com roupas seculares e abandonaram a vida comunitária tradicional. As estatísticas atuais mostram uma tendência. Em 1965, havia cerca de 180.000 religiosas e freiras de claustro nos Estados Unidos. De acordo com o Centro de Investigação Aplicada no Apostolado da Universidade de Georgetown, em 2009, são um pouco mais de 59.000. Uma constante queda no número de religiosas, além do fato de terem uma média de idade de 75 anos, dão o sinal de que a vida religiosa nos Estados Unidos é uma instituição moribunda. No entanto, surgiram novas comunidades nas quais as religiosas vestem hábito e continuam um esquema diário de oração e serviço. Estas comunidades estão atraindo vocações jovens e vibrantes. Superficialmente, pareceria ser o futuro da vida religiosa.

Aquelas que abandonaram o hábito religioso e as que estão usando marcam dois caminhos diferentes na vida religiosa atual. O que está acontecendo? Será que a maioria das religiosas interpretaram mal os documentos do Concílio Vaticano II? Será que o que alguns vêem como uma veta rebelde está tendo suas conseqüências? As mulheres estão desafiando a Igreja? Alguns interpretam os noviciados vazios e o envelhecimento das freiras como evidência de que as religiosas tomaram a opção errônea –a secularização–. Outros afirmam que sua intenção era viver sua vida religiosa de maneira mais autêntica num mundo que está mudando.

O abismo entre a vida religiosa tradicional e a progressiva ficou em evidência em 1992 com a publicação de The Transformation of the American Catholic Sisterhood, de Lora Ann Quiñonez, C.D.P. e Mary Daniel Turner, S.N.D. de N. O livro urgia o Cardeal James Hickey, na época Bispo de Washington D.C., a viajar a Roma, para lutar pelo estabelecimento de uma congregação de religiosas que fosse mais fiel à Igreja. Daí surgiu a Conferência de Superiores Maiores das Congregações Religiosas, e entre os requisitos que exigem está o uso do hábito, a oração comunitária, a adoração eucarística e fidelidade à Igreja. No entanto, a Conferência de Lideranças de Mulheres Religiosas continuou com o espírito do Vaticano II de abertura diante do mundo, exploração das avenidas da teologia da libertação, a teologia feminista e a apremiante situação dos pobres, entre outros. Apesar de ter procurado um diálogo entre o L.C.W.R. (ao qual ainda pertence a maioria das comunidades religiosas femininas)

e o C.M.S.W.R., este afã de diálogo não foi compartilhado.

Roma ficou do lado da C.M.S.W.R., outorgando aos seus membros posições eclesiásticas de alto nível.

Embora os dois grupos de religiosas pareçam estar em lados opostos, são parte do que Timothy Radcliffe, ex- Mestre Geral dos Dominicanos, em seu livro What is the Point of Christian Life? (Qual é o objeto da vida cristã?) denomina duas teologias diferentes baseadas em diferentes interpretações do Vaticano II . Os membros da Conferência de Liderança adotam a modernidade e vêem no trabalho do Concílio a nova vida que o Espírito Santo da à Igreja.

Elas caem dentro do que o Padre Radcliffe identifica como o grupo Concilium, que se centram na Encarnação como o ponto central de renovação. Em compensação, os membros do Conselho de Superioras Religiosas, católicas Communio, que enfatizam a comunhão através da proclamação da fé, uma clara identidade católica e a centralidade da cruz. (Concilium e Communio eram os nomes de duas publicações periódicas fundadas na era pós-conciliar. A primeira se centrava nas reformas conciliares; a segunda dava importância à continuidade dos documentos do concílio com a comunhão dos fiéis através dos séculos). Desta maneira, um grupo se baseava na doxología e adoração (Communio), o outro na prática e na experiência (Concilium).

Uma vê Cristo como uma reunião de pessoas em comunidade (Communio); a outra vê Cristo como aquele que cruza fronteiras (Concilium). Recentemente o C.M.S.W.R. teve seu congresso eucarístico sob o título "O sacrifício do amor eterno", enquanto a L.C.W.R. continua trabalhando na mudança sistêmica. As primeiras vêem a vida religiosa como as esponsais divinas de Cristo; as segundas vêem um Cristo solidário com os pobres e procurando justiça para os oprimidos.

Como diz o Padre Radcliffe, este não é um conflito entre aqueles que são leais ao concílio e os que querem voltar à Igreja pré-conciliar nem entre aqueles que são fiéis à tradição e os que sucumbiram ao mundo moderno. Em vez disso, o conflito radica em duas maneiras diferentes de interpretar o concílio e de como efetuar seu trabalho. Embora eu entenda as diferenças stabelecidas pelo Padre Radcliffe, minha própria experiência com as religiosas me diz que a raiz das diferenças entre estas associações é o medo à mudança. Não digo isto como um julgamento, mas considerando minha experiência pessoal.


Autor: Ilia Delio, O.S.F., das Irmãs Franciscanas de Washington, é professora e decana do departamento de estudos espirituais na Washington Theological Union

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