A Irmã Morte
Frei Nilo Agostini
Ano de 1226. Francisco se acha muito debilitado. Seu estômago não aceita mais alimento algum. Chega a vomitar sangue. Admiram-se todos como um corpo tão enfraquecido, já tão morto, ainda não tenha desfalecido. Transportado de Sena para Assis, Francisco ainda encontra forças para exortar os que acorrem a ele.
E aos irmãos diz:
"Meus irmãos, comecemos a servir ao Senhor, porque até agora bem pouco fizemos".
Ao chegar a Assis, um médico se apresenta e constata que nada mais resta a fazer.
Ao que Francisco exclama:
"Bem-vinda sejas, irmã minha, a morte!"
E convida aos irmãos Ângelo e Leão para cantarem o Cântico do Irmão Sol, ao qual Francisco Acrescenta a última estrofe em louvor a Deus pela morte corporal.
Aproximando-se a hora derradeira, Francisco deseja ser levado para a capelinha de Nossa Senhora dos Anjos, na Porciúncula, onde tudo havia começado. Lá, num gesto de despojamento, de identificação com o Cristo crucificado e de integração com o Pai, pede que o deixem, nu, sobre a terra e diz aos frades:
"Fiz o que tinha que fazer.
Que Cristo vos ensine o que cabe a vós".
Despede-se de todos os irmãos; abençoa-os; lembra-lhes que
"o Santo Evangelho é mais importante que todas as demais instituições".
Anima o seu médico, dizendo-lhe:
"Irmão médico, dize com coragem que a minha morte está próxima. Para mim, ela é a porta para a vida!"
E, então, canta o Salmo 142. Francisco parte cantando, cortês, hospitaleiro e reconciliado com a morte.
O canto de Francisco está baseado em uma percepção realista da morte:
"Nenhum homem pode escapar da morte".
Mas como pode ser irmã aquela que engole a vida, que decepa aquela pulsão arraigada em cada um de nós, fundada em um "desejo" que busca triunfar sobre a morte e viver eternamente?
Francisco acolhe fraternalmente a morte. Nele realiza-se, de forma maravilhosa, o encontro entre a vida e a morte, em um processo de integração da morte.
Francisco acolhe a vida assim como ela é, ou seja, em sua exigência de eternidade e em sua mortalidade. Tanto a vida como a morte são um processo que perdura ao longo de toda a vida.
A morte faz parte da vida.
Como e despertar e o adormecer, assim é a morte para o ser humano. Ela não rouba a vida; dá a esse tipo de vida a possibilidade de outro tipo de vida, eterna e imortal, em Deus.
A morte não é então negação total da vida, não é nossa inimiga, mas é passagem para o modo de vida em Deus, novo e definitivo, imortal e pleno.
Francisco capta esta realidade e abriga a morte dentro da vida. Acolhe toda limitação e mostra-se tolerante com a pequenez humana, a sua e a dos outros.
A grandeza espiritual e religiosa de Francisco no saudar e cantar a morte significa que já está para além da própria morte; ela, digna hóspede não lhe é problema;
ao contrário, ela é a condição de viver eternamente, de triunfar de modo absoluto, de vencer todo embotamento do pecado que a transforma em tragédia.
Francisco soube mergulhar na fonte de toda a vida.
"Enquanto Deus é Deus, enquanto Ele é o vivente e a Fonte de toda a vida, eu não morrerei, ainda que corporalmente morra!" (L. Boff).
Paz e Bem!!!
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