quarta-feira, 25 de março de 2009
Você Está Demitido Stephen Kanitz
Você é diretor de uma indústria de geladeiras. O mercado vai de vento
em popa e a diretoria decidiu duplicar o tamanho da fábrica. No meio
da construção, os economistas americanos prevêem uma recessão, com
grande alarde na imprensa.
A diretoria da empresa, já com um fluxo de caixa apertado, decide,
pelo sim, pelo não, economizar 20 milhões de dólares. Sua missão é
determinar onde e como realizar esse corte nas despesas.
Esse é o resumo de um dos muitos estudos de caso que tive para
resolver no mestrado de administração, que me marcou e merece ser
relatado. O professor chamou um colega ao lado para começar a
discussão. O primeiro tem sempre a obrigação de trazer à tona as
questões mais relevantes, apontar as variáveis críticas, separar o
joio do trigo e apresentar um início de solução.
"Antes de mais nada, mandaria embora 620 funcionários não essenciais,
economizando 12 200 000 dólares. Postergaria, por seis meses os gastos
com propaganda, porque nossa marca é muito forte. Cancelaria nossos
programas de treinamento por um ano, já que estaremos em compasso de
espera. Finalmente, cortaria 95% de nossos projetos sociais, afinal
nossa sobrevivência vem em primeiro lugar".
É exatamente isso que as empresas brasileiras estão fazendo neste
momento, muitas até premiadas por sua "responsabilidade social".
Terminada a exposição, o professor se dirigiu ao meu colega e disse:
-Levante-se e saia da sala.
-Desculpe, professor, eu não entendi - disse John, meio aflito.
-Eu disse para sair desta sala e nunca mais voltar. Eu disse: PARA FORA!
Nunca mais ponha os pés aqui em Harvard.
Ficamos todos boquiabertos e com os cabelos em pé. Nem um suspiro. Meu
colega começou a soluçar e, cabisbaixo, se preparou para deixar a
sala. O silêncio era sepulcral. Quando estava prestes a sair, o
professor fez seu último comentário:
-Agora vocês sabem o que é ser despedido. Ser despedido sem mostrar
nenhuma deficiência ou incompetência, mas simplesmente porque um bando
de prima-donas em Washington meteu medo em todo mundo.
Nunca mais na vida despeçam funcionários como primeira opção. Despedir
gente é sempre a última alternativa.
Aquela aula foi uma lição e tanto.
É fácil despedir 620 funcionários como se fossem simples linhas de uma
planilha eletrônica, sem ter de olhar cara a cara para as pessoas
demitidas.
É fácil sair nos jornais prevendo o fim da economia ou aumentar as
taxas de juros para 25% quando não é você quem tem de despedir
milhares de funcionários nem pagar pelas conseqüências.
Economistas, pelo jeito, nunca chegam a estudar casos como esse nos
cursos de política monetária.
Se você decidiu reduzir seus gastos familiares "só para se garantir",
também estará despedindo pessoas e gerando uma recessão.
Se todas as empresas e famílias cortarem seus gastos a cada previsão
de crise, criaremos crises de fato, com mais desemprego e mais
recessão.
A solução para crises é reservas e poupança, poupança previamente acumulada.
O correto é poupar e fazer reservas públicas e privadas, nos anos de
vacas gordas para não ter de despedir pessoas nem reduzir gastos nos
anos de vacas magras, conselho milenar. Poupar e fazer caixa no meio
da crise é dar um tiro no pé.
Demitir funcionários contratados a dedo, talentos do presente e do
futuro, é suicídio.
Se todos constituíssem reservas, inclusive o governo, ninguém
precisaria ficar apavorado, e manteríamos o padrão de vida, sem cortar
despesas.
Se a crise for maior que as reservas, aí não terá jeito, a não ser
apertar o cinto, sem esquecer aquela memorável lição: na hora de
reduzir custos, os seres humanos vêm em último lugar.
Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1726, ano 34, nº45, em 14 de
Novembro de 2001.
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