Pelo menos 16% dos cardeais que vão eleger sucessor de Bento XVI estão ligados a movimentos cujo apoio pode influenciar eleição
JAMIL CHADE, ENVIADO ESPECIAL/ VATICANO - O Estado de S.Paulo
Elas são discretas, raramente se apresentam em bloco e fazem questão de declarar que não atuam de forma política. Mas no conclave que começa nesta semana e mesmo nos últimos dias, ordens religiosas, congregações, movimentos laicos e grupos nos bastidores mobilizaram seus lobbies para eleger o próximo papa e contrabalançar eventuais solidariedades nacionais. Na terça-feira, os 115 cardeais entrarão para um dos conclaves mais delicados da história recente do Vaticano, com uma Cúria dividida e mais italiana que nunca nos últimos 55 anos.
Segundo o Estado apurou, as ordens religiosas e os principais movimentos que atuam na Igreja passaram as últimas semanas em uma frenética negociação sobre nomes e apoios a seus candidatos. "A constatação de todos é a mesma: uma nacionalidade ou mesmo um continente já não elege ninguém", afirmou uma fonte na Santa Sé. "Para que haja um novo papa, a pessoa terá de ganhar apoios transversais e apenas movimentos religiosos podem fazer essa ponte", indicou.
No conclave de 2005, que elegeu Joseph Ratzinger como papa, 53 nacionalidades estavam representadas. Agora, são 50 e, entre os eleitores, o peso dos europeus cresceu. Em 2005, 58 cardeais eram europeus, 49% do total. Os latino-americanos somavam 18% (21 cardeais), contra 12% da América do Norte, 9% da África e 9% da Ásia.
Desta vez, o peso europeu subiu e hoje 52% dos eleitores são do Velho Continente, graças a uma ação premeditada de Bento XVI para dar prioridade à Europa. A proporção de italianos é a maior desde 1958 - com 24% dos votos e oito cardeais a mais que em 2005. Já o peso dos latino-americanos caiu para 16% em 2013. A transformação foi resultado das próprias nomeações feitas por Bento XVI, que colocou na cúpula da Igreja 57% dos cardeais que vão eleger o seu sucessor.
Pilares. Fontes do Vaticano apontam que, se a imprensa está mais preocupada com a nacionalidade dos cardeais, na Santa Sé é a filiação ou simpatias que cada grupo demonstra que mais pesa nas conversas mais privadas. "A imprensa está tentando ver o Vaticano com os olhos de Copa do Mundo. Mas a realidade é que a lógica é diferente dentro da Santa Sé", declarou o cardeal argentino Estanislau Karlik.
No total, 16% dos eleitores fazem parte de alguma ordem religiosa, sem contar os grupos semilaicos. Mas é o poder que esses movimentos têm que poderia decidir uma votação. O cardeal chileno Errazuriz Ossa afirmou que rejeita a tese de que cardeais do mesmo grupo estejam inclinados a apoiar um nome do movimento ao qual estão ligados. "Não é com essa mentalidade que entramos no conclave", disse.
Mas a declaração se contrasta com a realidade de Roma dos últimos dias. Segundo um levantamento obtido pelo Estado, quatro cardeais são da congregação dos salesianos, incluindo Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, que não teria poupado seu poder para influenciar seu grupo a seguir uma determinada linha nos votos.
Os franciscanos contam com a adesão declarada do cardeal Carlos Amigo Vallejo, arcebispo emérito de Sevilha, do brasileiro Claudio Hummes e do sul-africano Wilfrid Napier.
Já os dominicanos estão sendo liderados pelo cardeal austríaco Christoph Schonborn, enquanto não faltam os representantes dos jesuítas (o argentino Jorge María Bergoglio), os lazaristas, os redentoristas, os capuchinhos (como no caso do americano Sean O'Malley), ou os membros do Instituto de Schönstatt, da qual faz parte o cardeal chileno Errazuriz Ossa.
Se as ordens religiosas atuam dentro do Vaticano de uma forma quase institucional, existem ainda movimentos, associações e prelazias que entraram com força na campanha nos últimos dias, fora dos muros da Santa Sé. O colégio de eleitores inclui o Opus Dei (representado pelo cardeal peruano Cipriani Thorne) e o Movimento dos Focolares, com o brasileiro d. João Braz de Aviz à frente.
O próprio fortalecimento de d. Odilo Scherer teria uma relação direta com um movimento chamado Arautos do Evangelho. Segundo a revista Panorama, parte do crescimento do d. Odilo se deve ao movimento, que teria ajudado a alavancar seu nome.
Mas é justamente o favoritismo de um dos cardeais, o italiano Angelo Scola, que mais escancarou como grupos estariam agindo de uma forma bem mais relevante que o critério de nacionalidade. Scola é historicamente ligado ao movimento Comunhão e Libertação, que por anos manteve amplo controle nas finanças e ações da elite econômica italiana mais conservadora.
Publicamente, Scola tentou se afastar do grupo, depois que investigações na Itália apontaram para o nome de vários de seus membros em crimes financeiros. Mas, tanto no conclave de 2005 como no atual, o italiano não economizou esforços para convencer os demais eleitores sobre seus poderes na sociedade, enquanto a própria instituição disparou telefonemas e campanhas discretas em seu apoio.
A movimentação desses grupos tem sido tão grande que até o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, acusou-os de tentarem desestabilizar o Vaticano às vésperas do conclave. O recado não era direcionado aos jornais, e sim aos cardeais que estão de olho na vaga de Bento XVI e delegaram a esses grupos o lançamento de suas candidaturas.
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