domingo, 4 de julho de 2010

Copa: A euforia da torcida e a dor de Mandela





 
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Quando este artigo sair , a bola já terá rolado há tempos nos gramados da África do Sul.  A festa eufórica do país das vuvuzelas, com direito a astros internacionais, Shakira incluída, já terá deslumbrado o mundo.  Argentina e Nigéria já terão se enfrentado e a seleção de Dunga já estará sob os holofotes.  Para bem ou para mal.  O mundo inteiro, como a cada quatro anos, estará pendente de um gramado e de vinte e dois pares das pernas mais caras e bem pagas do mundo.
No entanto, algumas coisas fazem esta copa diferente das outras. Ela acontece no país que foi palco de uma das segregações mais cruéis do planeta: o cruel “apartheid”.  Durante décadas os sul-africanos se

enfrentaram e mataram em violenta e sanguinária luta racial que dividiu o país e dizimou seus habitantes.  Hoje, a África do Sul pode exibir sua beleza e riqueza humana e cultural, palco e morada de tantas raças, habitantes, religiões, etnias e línguas, em alegre sinfonia sediando um evento de repercussão mundial como este. 


Mas não só pelo futebol e pela pluralidade inerente a sua identidade é que os olhos do mundo se voltam para a África do Sul. Trata-se  também do país que é berço e pátria de uma das figuras mais gigantescas da humanidade neste século XXI: Nelson Mandela.  A presença do líder que,  fiel à luta antiapartheid, passou mais de vinte anos no cárcere e agora, livre, é um ícone diante do qual todos se inclinam com respeito e admiração marca para sempre a Copa do mundo de 2010 e a faz inesquecível.


Diante do clima de euforia e do toque de insanidade que às vezes marca os campeonatos mundiais de futebol, manchados inclusive pela violência, figuras como Mandela e o bispo Desmond Tutu trazem um toque de seriedade e profundidade que, mesmo em meio à mais legítima alegria, nos relembram a imensa gravidade da condição humana.  Aqueles que hoje cantam e se movem no estádio com a ginga incomparável de sua raça levados pelo ritmo irresistível do espetáculo de abertura do campeonato são os mesmos que souberam arriscar a vida pela liberdade de seu povo.


E já no início da Copa, antes que a bola rolasse nos primeiros jogos, essa gravidade que nos traz de volta da euforia ao chão da vida se fez presente dolorosamente no velho e tão marcado coração de Nelson Mandela.  Voltando do espetáculo de abertura no estádio, sua bisneta de 13 anos, Zenani Mandela, morreu vítima de um acidente de automóvel.  


Enquanto a cidade e o país ruidosamente abrigam o mundo inteiro no colossal evento esportivo, o clã Mandela vive a terrível e irreparável perda de um de seus mais jovens e encantadores membros: a pequena Zenani, vida desabrochando em flor , ceifada antes de abrir-se plenamente.  Podemos sentir, por trás dos tambores, atabaques, trombetas e foguetes, o coração do líder confrangido pela dor, sua cabeça branca curvada e seus olhos turvos, como todo homem comum.


A nuca  que a prepotência dos colonizadores não conseguiu dobrar o afeto agora o faz.  Mandela não deverá mais ser visto publicamente durante os festejos da Copa.  Recolhido em sua casa, juntamente com sua família, deverá viver seu luto e participar dos funerais da bisneta, consolando seus parentes mais próximos atingidos pela perda brusca e brutal. A mídia provavelmente conversará com seus porta-vozes na tentativa de tomar conhecimento de suas opiniões ou sentimentos.


Em meio à ansiedade dos jogos e dos resultados da Copa, nos é dada a oportunidade de calarmo-nos com o silencio de Mandela, entrarmos em comunhão com sua dor, assim como aclamamos sua figura no estádio.  Todo esse episódio não arruína o clima da Copa do mundo. Pelo contrário, só o torna mais humano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe o seu comentário!

Seja bem vindo!
Pascom Porto Feliz