quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Virado Paulista se torna patrimônio portofelicense

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O popular prato “virado à paulista” agora é considerado patrimônio monçoeiro. O prefeito de Porto Feliz, Cláudio Maffei encaminhou um Projeto de Lei pedindo a legitimação do título ao prato, baseado na história dos monçoeiros e o pedido foi aprovado pela Câmara dos Vereadores da cidade.
Agora, o próximo passo é encaminhar uma solicitação ao Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para tornar o “virado à paulista” um Patrimônio Cultural Imaterial de Porto Feliz.
Contexto Histórico
De acordo com um texto de Carlos Borges Schmidt, publicado no Diário de São Paulo, no dia 21 de junho de 1959, o virado era alimento presente na dieta dos monçoeiros. E o texto cita como referência as palavras do historiador Sérgio Buarque de Holanda.
Em seu excelente ensaio histórico sobre as monções que, a partir do primeiro quartel do século XVIII, marcaram uma nova etapa na história pátria, Sérgio Buarque de Holanda dedica especial atenção às questões relacionadas com a alimentação dos monçoeiros.
O autor lembra que, a bordo das canoas "a farinha tinha em muitos pontos, papel semelhante ao que desempenhara o famoso biscoito das galeras nas antigas viagens ultramarinas. Farinha de milho principalmente, se é verdade que a mandioca só começa a ser cultivada, em escala apreciável, no planalto, em fins do século XVIII que o produto conduzido a bordo, durante o mesmo século, provinha, sobretudo, dos distritos de Itu e Araritaguaba, onde sempre foram numerosas as roças de milho".
Mas a farinha de milho não era o alimento exclusivo. Ela era complementada pelo feijão e pelo toucinho de porco. Dessa ração monçoeira, por assim dizer, o autor refere-se a informações contidas em publicações de documentos antigos, que registram a seguinte ração individual, para cálculo dos suprimentos necessários durante as longas jornadas; cento e quinze gramas de toucinho por dia; nove litros de farinha de milho por dez dias, e quatro e meio litros de feijão pelos mesmos dez dias.
Assim, sistematicamente os monçoeiros obedeciam à mesma rotina, o preparo das refeições, dias após dias. "Antes do por-do-sol, costumavam os homens arranchar-se e cuidar da ceia, que constava principalmente de feijão com toucinho, o panem nostrum quotidianum dos navegantes, segundo expressão de um deles, além da indefectível farinha de milho ou de mandioca), e algum pescado apanhado pelo caminho".

A tal ponto se integrara no regime alimentar paulista o virado de feijão que, diz-se, o próprio dom Pedro, por razões óbvias, em uma de suas visitas a São Paulo, comeu à moda da terra, em banquete público, feijão preparado com toucinho e farinha.

Porto Feliz – Roteiro dos Bandeirantes
De acordo com o documentarista José Antonio Barros Freire, durante as gravações do documentário Porto Feliz - Roteiro dos Bandeirantes, a equipe realizadora ficava mais feliz quando percebia que moradores, jovens e crianças sabiam contar as origens da cidade e valorizavam o patrimônio cultural representado pelas tradições preservadas e edificações históricas. “Sobre a alimentação dos monçoeiros no século XVIII - o Virado Paulista - uma garota de uns 12 anos nos falou com um sorriso só que havia memorizado a preciosa informação ao assistir a encenação teatral Semana das Monções que acontece na cidade todos os anos no mês de outubro”, conta.
E finaliza. “Em Porto Feliz, a Educação Escolar é levada a sério e a carinhosa hospitalidade do portofelicense é herança dos seus antepassados”.


Assim, graças ao professor Sérgio Buarque de Holanda, estão sendo realizadas essas importantes conquistas históricas e culturais. E o Museu Pedagógico e Histórico das Monções segue cumprindo seu ideal.



Carta do prefeito Cláudio Maffei de Porto Feliz à Câmara


Porto Feliz, a antiga Araritaguaba, é o berço do movimento monçoeiro. Monções era como os portugueses denominaram as expedições fluviais que partiam de um porto, perto da cidade de Itu, onde as águas do rio Tietê tornava-senavegável, era o porto de Araritaguaba.
Teotônio José Juzarte partiu deste porto em 10 de março de 1769 em seu diário de navegação expõe as seguintes características para essa povoação:
“Dista esta Freguesia da Capital vinte e duas léguas, chama-se Araraitaguaba pela língua da terra, que quer dizer em português Pedra onde Criam as Araras: Seu Orago é Nossa Senhora Mãe dos Homens. É situada sobre o barranco do Rio Tietê. Terá mil e quinhentos paroquianos. É muito pobre por não ter comércio algum salvo algumas canoas que fabricam para as expedições de Cuiabá, e a Mato Grosso...”(p.24)
Como no movimento bandeirantista, esses ousados paulistas, se embrenhavam nos sertões, a peculiaridade era que os monçoeiros utilizavam como via de transporte o Rio Tiête e depois deste outros afluentes da região do Rio da Prata.
Em Porto Feliz os Paulistas vindos principalmente da Vila de Itu encontraram populações indígenas vivendo nos paredões rochosos e no leito do Rio Tietê (os naturais chamavam de rio Anhembi), essas populações eram formadas pelos guaianazes, cuja a organização social e econômica mantinham costumes dos povos caçadores e coletores conhecendo, após o contato com o colonizador, apenas rudimentarmente o plantio da mandioca e do milho.
São nessas expedições que os monçoeiros tendo de levar uma ração que não se deteriorasse no caminho fluvial, que na maioria das vezes tinha de durar quase um ano para se cumprir a viagem, dependendo do objetivo, usaram o conhecimento dos indígenas que possuiam grandes cabaças para carregar farinha de milho e principalmente de mandioca e levavam a seguinte alimentação de acordo com o já citado sargento-mor Teotônio José Juzarte:
“O mantimento de que se fornecem estas embarcações para a viagem não excede a feijão, farinha de mandioca, ou de milho, toucinho, e sal, que é o quotidiano sustento exceto alguma caça ou peixe se o há.”(p.26)
Também o historiador Jonas Soares de Souza, ilustre morador de Porto Feliz, que embora tenha nascido em Santo André, tornou-se cidadão porto-felicense por lei municipal do Legislativo, abordou a questão da alimentação em sua preciosa compilação, A Cidade e o Rio, Araritaguaba, o Porto Feliz, através do ilustre historiador Afonso Taunay:
“As provisões embarcadas consistiam, sobretudo, em farinha de milho e de mandioca, feijão toucinho e sal. Era o que constituía o ‘mantimento de que se forneciam as embarcações’, não excedendo o trivial diário este parco cardápio. (...).”(p.26)
E continua o texto:
“O Virado Paulista de feijão era o grande recurso dos monçoeiros: a famosa mistura de feijão, preparada com toucinho e farinha. Declara Lacerda e Almeida que não haveria no mundo melhor pitéu do que o feijão com toucinho pouco cozido, sobretudo quando acepipado pelo apetite, acrescentemos, embora pensemos que realmente o virado, o viradinho como é carinhosamente tratado, seja ótimo.”(p.26).
Em relação ao toucinho podemos ver na mesma obra:
“O toucinho enxuto, curado e salgado e embarcado em grandes jacás no gênero dos de menor tamanho, que tanto se entregam às tropas de mulas cargueiras descendo do planalto para o litora”. (p.27).
O parágrafo acima nos permite supor que o famoso movimento dos tropeiros apreendeu do movimento monçoeiro velho feijão, com farinha e toucinho que também muitas vezes leva o nome de feijão tropeiro.
Assim sendo podemos supor que o popular virado á paulista tenha aparecido a partir das monções cuiabanas em solo paulista, mais especificamente em solo porto-felicense. A farinha era abundante nesta região e eram amplamente utilizada e até comercializada com São Paulo em enormes cabaças (conhecidas em nossa região por purungas) tanto que um dos afluentes do Rio Tiete importantíssimo para Porto Feliz, por ser seu manancial abastecedor de águas doce, o Avecuia, e de acordo com o Atlas Socioambiental da Bacia Hidrográfica dos Rios Sorocaba e Médio Tietê, foi denominado assim pelos povos indígenas que aqui habitavam devido:
“Avecuia – (ribeirão em Porto Feliz); vaso para guardar semente. Aué (semente ou fruto seco e oco que produz ruído) cuia (vaso ou cuia) ”. (p.31).
De acordo com as informações aqui levantadas é relevante supor que o virado à paulista e suas diversas variantes, porém, sempre constituído prioritariamente pelo feijão, pela farinha de milho ou mandioca e pelo toucinho, descendem daquele angu que os monçoeiros, índios e escravos comiam na maioria das vezes com a mão, retirado diretamente da cuia, no máximo com simples e grosseiras colheres talhadas da madeira de árvores da região, sempre preparados de véspera, quando os batelões embicavam nos barrancos para o descanso diário.
As longas viagens fluviais só poderiam receber uma ração fácil de ser transportada, o que era o caso do feijão, da farinha e do toucinho, a caça e a pesca ficava por conta da artimanha dos valentes desbravadores.
E por tudo isso é digno ao arraial de Araritaguaba pleitear a primazia da descoberta do virado à paulista em seu território, tornando-se o mesmo patrimônio cultural e gastronômico de Porto Feliz, a Terra das Monções.


Referências Bibliográficas:
OTERO, Patrícia (coordenadora). ATLAS SOCIOAMBIENTAL- Um retrato da bacia hidrográfica dos Rios Sorocaba e Médio Tietê. São Paulo; 5 elementos – Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental, 1ª Edição, 2009.
JUZARTE, Teotônio José. DIÁRIO DE NAVEGAÇÃO, organizado por Jonas Soares de Souza, Campinas, SP. Editora Unicamp/Centro de Memória-Unicamp, 1999.
SOUZA, Jonas Soares de (organizador). A CIDADE E O RIO, ARARITAGUABA, O PORTO FELIZ. Ottoni Editora, Itu – SP. 2ª Edição, 2009.

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Pascom Porto Feliz