OS LEIGOS NA VIDA RELIGIOSA: CONVERSOS, EREMITAS, PEREGRINOS
Os conversos viviam plenamente a sua vida de doação a Deus, mas não abandonavam o estado leigo: eles não formavam uma Ordem no sentido moderno da palavra, mas viviam uma condição de vida ascética juridicamente reconhecida: eram homens e mulheres que, por imposição após pecados públicos, ou espontaneamente, viviam conforme o regime penitencial que a Igreja impunha aos pecadores públicos no acto da reconciliação.
Eram fiéis que decidiam viver em penitência, rompendo temporária ou definitivamente com os compromissos fáceis do mundo. O sinal exterior desta mudança de vida era o hábito de penitente que o fiel vestia apresentando-se à Igreja entre os penitentes, e por conseguinte, assumindo implicitamente os deveres do novo estado: uma certa pobreza e austeridade de vida, jejuns, orações particulares e participação nas orações públicas da Igreja, como as horas canónicasPai Nosso . (Laudes, Vésperas, etc.). Viviam em penitência sozinhos ou associados, na cidade ou na aldeia ou eremitério; alguns conservavam o direito de possuir, outros viviam pondo tudo em comum formando um único instituto sob a direcção dum clérigo, não necessariamente padre, e até dum leigo. Outros vivem a penitência na sua casa: são geralmente esposos, que vestem um hábito abjecto, renunciando ao luxo, observando os jejuns e abstinências e participando na recitação das horas canónicas nas igrejas, ou substituindo-a pela recitação privada do
Além disso a vida eremita liga-se às primeiras experiências de perfeição cristã e comporta um certo grau de separação do mundo ou da condição de exílio e de peregrinação fora da verdadeira pátria.
A vida eremita ou de solidão propriamente dita, é contudo somente um dos modos concretos pelos quais esta exigência se realiza e se organiza nos vários tempos e lugares; de modo que, partindo das próprias exigências, a própria palavra eremita e todo o vocabulário que a isso se refere, não designa sempre a mesma condição de vida.
Particularmente por volta do fim do séc. XII e no limiar do XIII, por exigência de simplicidade, de pobreza efectiva, de liberdade de engajamentos temporários mas muito frequentes, reaparece muito vivamente o desejo de se fixar em lugares solitários. Num tal contexto, expressões como eremitério, eremita, solidão, vida solitária , aplicam-se conforme o caso a mosteiros cenobíticos, (isto é, de vida comunitária), longe de toda a vida urbana, em grupos de celas eremíticas, em eremitérios sem ligação entre si ou com um mosteiro. A variedade, como se vê, não diz respeito somente às características particulares, mas ao próprio modo de viver e de se organizar segundo a exigência dominante, a solidão com Deus: porque uma é certamente a vida de um eremita sozinho, outra a do que vive numa comunidade; outra é a vida solitária dum eremita dependente dum mosteiro, outra a de um independente.
Uma verdadeira inovação, não tanto pela novidade absoluta, como pela proporção que o fenómeno assume, é pelo contrário representada por certos movimentos populares leigos que se conformam directamente com o Evangelho. São grupos de eremitas (hoje chamá-los-iamos grupos expontâneos) sem uma organização estruturada e detalhada, frequentemente mesmo muito pobres, de instituição e de vínculos (laços); alguns tornam-se itinerantes, peregrinos sempre em viagem, que vão pedir e exortam aqueles que encontram.
A condição de peregrino é uma forma de vida ascética tradicional na Igreja. Aqui não se fala tanto de peregrinações aos lugares de devoção, mesmo se eles não são excluídos, mas antes da concepção e dos valores, do modo de vida que eles queriam realizar.
O peregrino realiza sobretudo o conceito de cristão duma certa separação do mundo, visto como lugar de passagem e não como uma morada estável. É abandonar o lugar habitual, o próprio meio de vida para ir onde é desconhecido, estrangeiro, sem amigos ou parentes, sem protecções e seguranças. Neste sentido é uma forma de conversão; com efeito, partindo para uma região desconhecida, o peregrino está sem papel social, sem poderes, posto à margem; é um pobre no sentido mais concreto da palavra.
A meta da peregrinação podia ser qualquer lugar solitário, mosteiros onde se era desconhecido, ou lugares tornados sagrados pela presença e sacrifício do Salvador: a Terra Santa exercia, por excelência, uma atracção especial. Na peregrinação à Terra Santa todos os temas e valores ascéticos descritos até aqui parecem reconhecer-se dum modo especial: a rotura com o mundo, com a própria pátria, a conversão, o facto de percorrer a terra por amor de Cristo e de viajar em direcção à terra prometida como Abraão.
Não era raro alguns prometerem ficar para sempre na Terra Santa: o próprio facto de ter chegado lá comportava por si mesmo uma decisão de combater com Jesus Cristo, não necessariamente no sentido guerreiro do termo, mas no de milícia espiritual. Com efeito a Terra Santa era considerada Património ou Reino de Jesus Cristo; por conseguinte, quem aí habitava era considerado como seu vassalo e devia-lhe fidelidade e serviço. Frequentemente este serviço vivia-se entretanto, no fim da peregrinação, num mosteiro para aí viver seguindo uma regra, ou então ainda como leigo.
O engajamento de efectuar esta peregrinação podia ser assumido por qualquer categoria de cristãos, sem excluir os monges, cónegos, clero, bispos e abades; e de facto, assim aconteceu. Mas é claro que, visto a maior liberdade de movimento de que gozavam, foi sobretudo ao encontro dos leigos e dos eremitas.
A sua presença no seio das cruzadas, como a dos padres e dos bispos devia servir para manter claramente o espírito religioso e o convite à conversão permanente dos soldados; além disso a oração e a humildade destes pobres era considerada particularmente eficaz face ao Senhor do qual se espera unicamente a vitória.
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